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21 março 2025

AS CALÇAS DO MEU AVÔ

 


       As primeiras calças de moletom que usei foi presente da minha ex, como falou meu avô olhando pros lados. — Quando deixou de prestar, botei pra dormir, mas depois, mesmo com o coração apertado, entreguei pro zelador jogar fora. Dias mais tarde, Boca Murcha, um morador de rua que vive me pedindo cigarro, passou vestido com ela. Desse vez não foi ele que me parou, fui eu. — “Boca, mas como você tá bonito, rapaz! Calça nova… quem te deu, foi sua namorada?” — perguntei rindo pra ele — “Foi um amigo” — respondeu — “presente de fim de ano”. — “Taí, Boca Murcha, se quiser me vender, eu te dou 20 conto por ela” — falei tirando a carteira do bolo. — “Agradeço muito, mas vender, vendo não. Presente a gente não vende, seu moço!” — Ele disse. — “Mas gostei da calça, por isso aumento pra 50. Te dou 50, olha, tá aqui uma nota novinha” — empurrei o dinheiro em sua direção.  Boca Murcha engoliu em seco. Olhou para um lado e para o outro, e como não vinha ninguém, desamarrou os cadarços e antes de baixá-las eu pedi que parasse, que não precisava. — “Só tem o seguinte, Boca Murcha” — falei entregando o dinheiro — “quero que você me prometa que não vai vendê-la mais a ninguém, tá certo?” — Boca Murcha, todo feliz com o dinheiro e com o presente que o zelador lhe dera, disse que sim, que prometia. Me deu um abraço, agradeceu e pra não perder o costume me pediu um cigarro e sorrindo foi tomar uma no bar.
Assim, não com essas palavras, meu avô nos contou a história de uma calça de moletom que teria ganhado da sua ex. Mas que ex, vovô se minha avó jura que vocês eram virgens quando se casaram?

12 março 2025

VAI COM CALMA!

 


     

Estou chateada com minha mãe e como não tenho com quem reclamar, reclamo aqui com minha boa vontade e paciência, até porque, mamãe sempre foi a melhor amiga que conheci. Daquelas que não tem segredos que não possa dividir. Também não tenho segredos para ela, mas, depois da conversa que ouvi sua com meu pai, tenho cá minhas dúvidas. Embora eu não estivesse atrás da porta, ouvi quando perguntou por que minhas amigas têm namorado e eu não? Meu pai disse que eu era muito nova, me defendendo, mas mamãe discordou. Disse estar de olho no meu comportamento e queria que ela também ficasse me olhando para, caso notasse qualquer coisa que fosse falar com ela Seja lá o que for, a gente vai apoiá-la disse com olhar de reprovação. Fiquei chateada com ela dizendo essas coisas. Por que não fala comigo ao invés de colocar minhocas na cabeça do velho? Será que mamãe não percebe que minhas amigas passam de ano com ajuda dos professores enquanto eu, com louvor? No momento eu só quero estudar. Me preocupar com as matérias e não com a mão boba desses moleques metidos a homem. No final vão me agradecer. Se passo na federal não vão ter que gastar tanto com meus estudos. Oh, vontade de falar isso com minha mãe, mas acho melhor não. E se ela confia em mim como vive dizendo, espere que logo terá minha resposta, portanto, mamãe, como diz Jorge Ben Jor, Take It Easy. Quando chegar a hora a gente conversa, ta bem! Lembre-se disso!

28 fevereiro 2025

EU HEIN!!! (02)

 



      Lembra quando falei que "trancada" em sala de aula não ensina a viver? Vocês lembram do senhor que deixei na praça sem responder às perguntas que, talvez, quisesse fazer? Você se lembra de que prometi não revelar nada aos meus pais? Pior é que contei. Meu pai não disse nada. Permaneceu quieto, olhando o teto enquanto eu falava. Parecia não estar nem aí para mim, mas eu estava enganada:
— “Filha, quando Deus criou o mundo, dois deuses, querendo agradar, criaram o elixir da juventude eterna. Amarraram a carga no lombo de um burro e o mandaram entregar aos humanos. Na volta o animal, tendo sede, procurou uma fonte onde uma cobra era a dona. — “Essa fonte é minha. Aqui, somente é permitido beber quem entrega o que está carregando”. — O burro, que não tinha noção do quão valiosa era a juventude que levava em dois cestos, os entregou em troca de água.
— “Filha” — como me disse o meu pai — “essa história fala sobre a ignorância e as consequências do desconhecimento. Se o burro não fosse tão burro, saberia que seu gesto proporcionou às cobras o que seria dos homens. E assim, minha filha, os homens continuaram envelhecendo e as Cobras se renovando a cada ano”. — Não satisfeito, botou a mão no meu ombro e continuou: — “Faça mais amigos, converse com quem não sabe nada, até porque os que sabem não fazem ideia do que os diferentes fazem e falam. Olhe mais e ouça com mais atenção. “Não quero que seja vulgar, chata ou inconveniente, mas adoraria tê-la como as pessoas da sua geração” — concluiu.


21 fevereiro 2025

CHOFER OU MOTORISTA

 



    Finalmente a casa vizinha ficou pronta e alugada. Meu pai ficou bastante contente ao saber que o casal não tem filhos — criança faz muito barulho, como ele mesmo afirma.
A moradora é bonita e bastante simpática, pelo menos pergunta como estamos assim que nos vê. Ele é um homem reservado com cara de poucos amigos, mas não destrata ninguém. Ela disse, em conversa com minha mãe, que trabalha em um escritório. — Saio logo depois dele e vou para casa antes — disse a mulher.
Ontem à tarde aconteceu um fato engraçado, para não dizer triste. Estávamos na varanda, eu e mamãe conversando, quando um carro parou na frente de casa. Minha mãe disse que não parecia com um carro de aplicativo. Tanto é verdade que, de onde estávamos, foi possível perceber quando o motorista beijou a mão da mulher ao seu lado. Minha mãe disse que a gorjeta deveria ter sido generosa ou não beijava a mão dela. O problema foi o vizinho chegar mais cedo e estar no portão naquele momento. Ele seguiu para a frente da nossa casa, de onde pôde ver a esposa muito à vontade com o dono do carro. O homem foi até o carro, abriu a porta com tamanha intensidade que a mulher só não caiu porque ele a segurou. Ela veio na frente sem olhar para os lados com ele bufando atrás dela. A discussão começou quando o portão se fechou atrás deles. A agressividade do indivíduo ere tão intensa que até nos causou incômodo. Mamãe disse que ouviu alguém questionar sobre um vermelhão no pescoço e a mulher responder ter sido a ventosa que o terapeuta usou no tratamento que vinha fazendo. O marido deve ter se convencido, pelo menos parou de gritar. Parou porque precisou ligar para a clínica e ouvir da recepcionista que ela estava de alta há bastante tempo. — Isso é dedução de mamãe que ficou na varanda para escutar o babado enquanto eu, euzinha, para dizer a verdade, corri para o meu quarto. Pelo visto, será difícil para a mulher não responder às perguntas que serão feitas. Se ela falar a verdade, ele a expulsará. Mas se ela mentir, amanhã sairá feliz e sorridente para o “trabalho”.

EU HEIN!!! (01)

 


    — O senhor não me conhece, como me manda sentar ao lado? — deu vontade de falar para o velho que batia com a mão espalmada no banco — mas não falei, calei. E se eu sentasse, o que ele faria? Ia me dar uma cantada? Ah, me poupe! Nada contra as pessoas idosas, mas me cantar só por estar desacompanhada aquela hora da noite? Assim já é de mais, não é não? Me deu uma vontade danada de mandá-lo pastar ou coisa pior. Mas, pastar, tava de bom — só que não mandei. Agora vc vê. Já pensou se eu faço o que ele pediu! Um cara todo cheio de rugas, mãos tremendo. E nem tava frio pra ele tremer.  Será que me confundiu com a neta? Só pode ser… Já pensou se eu, uma velha de 18 anos, cantasse um moleque de 12 anos, o que iriam pensar? E olha que não sou tão velha assim se acabo de deixar às fraldas, como diz minha mãe. Fechando os olhos, vejo o velho batendo a mão no banco ao seu lado. Quando chamou pensei que nem fosse comigo, mas era.
Só agora me toquei: o que será que ele queria comigo? E se não fosse cantada? Já pensou se tivesse me confundido com a neta dele, ou quisesse desabafar, falar da vida, me pedir dinheiro pra voltar pra casa?! Quem sabe não conhecesse pessoas da minha família, fosse professor dos meus pais, no passado?! Gente, do que vale estudar como tenho estudado se na hora de resolver um problema, eu travo, congelo e acabo correndo pra longe?! Deus me livre de contar pros meus pais. Certamente me obrigariam voltar pra saber o que ele queria comigo. Lá não volto de jeito nenhum, nem com eles e nem com ninguém.

14 fevereiro 2025

O MARIDO DA MINHA TIA.

 


     Tive a oportunidade de conhecer a enfermeira que cuidou do meu tio enquanto esteve internado. Durante a conversa, foi relatada uma história que mexeu profundamente comigo.  De fato, titio fora internado sem os documentos que o identificassem. Ninguém sabia quem era homem que infartara no meio da rua. — “Seu tio não conseguia compreender as perguntas ou articular qualquer tipo de palavra” — dizia a enfermeira. — “Ninguém tinha conhecimento algum sobre ele, a não ser pelo seu nome que, com muito sacrifício, conseguira pronunciar: José. Dois dias procuramos pelos parentes, sem mesmo sabê-los quem eram, pois, as únicas palavras que conseguira articular, foram, o nome e a esposa de quem implorava pela presença”. “Na véspera de sua morte” — continuava a enfermeira — “seu tio, que tinha o sofrimento estampado no rosto, falou, enfim, que queria muito ver sua mulher. Chegou a chorar pedindo sua presença. Essas foram suas últimas palavras” — ela disse, enxugando o nariz. — “Dei graças a Deus quando a mulher entrou olhando para mim. Não deixei que falasse nada. Peguei sua mão e a levai até o seu tio”. — “Seu José, olha quem veio te visitar; sua esposa, seu José!” — “Seu tio olhou para a mulher e abriu aquele sorriso. Ela chegou, cheia de carinhos com ele. Sentou-se ao seu lado e segurou-lhe a mão. Acariciou o rosto dele e, ao longo da noite, permaneceu ao seu lado, proferindo palavras que eu não ouvia, mas que o fizeram sorrir de felicidade. Na madrugada seguinte a mulher acionou a campainha.  Seu tio falecera.
Rô, seu tio faleceu numa paz tão grande que me fez chorar. Sua tia não se fastou dele até que as máquinas fossem desligadas e corpo removido. Quando eu ia saindo, ela segurou o meu braço e perguntou”: — “Quem é esse homem?” — “O seu marido” — respondi curiosa. — “Não, ele não era meu marido. Tenho a impressão de nunca o ter visto mais gordo, mas como a senhora me levou até ele e vendo que precisava, segurei sua mão, o que não me arrependo de ter feito. Principalmente  por vê-lo feliz, com sua mão entre as minhas
”.
A enfermeira, generosa como é sua classe, deixou-me chorando com aquelas palavras.
A partir desse dia me tornei mais carinhosa com aqueles que amo e a entender as pessoas que não se importam comigo.
(Com base no meu texto “A MULHER DO MEU TIO”)

07 fevereiro 2025

MEU TIO, MINHA AVÓ E MEU PAI.

 




       Meu peito dói quando vejo uma pessoa chorando. Se for muito íntima, acabo chorando também. Ontem chorei porque vovó chorava quando fui a sua casa.
— “Casa de ferreiro espeto de pau”, disse relembrando a morte do filho. Um cara que socorreu um vizinho que estava enfartando. Graças as massagens e ao que ele falava o vizinho vai bem obrigado! Já meu tio não teve a mesma sorte. Se tivesse aplicado em si o conhecimento que o levou a salvar pessoas, como disse meu pai, eu não estaria escrevendo este texto. Afinal, o que fazer quando sentimos uma forte dor no peito e a dor continua no braço até a mandíbula? Talvez meu tio estivesse vivo se conversasse mais vezes com meu pai ao invés de ficar criticando o cunhado. Com certeza meu pai lhe teria dito que tossindo vigorosamente repetidas vezes, respirando profundamente antes de cada tosse, profunda e prolongada, como se tivesse puxando um escarro das profundezas do tórax. Respirasse e tossisse a cada dois segundos, sem parar, teria tempo de ser socorrido. Fazendo esse processo muitas vezes o coração volta a bater normalmente. Infelizmente não ouviu porque falar mal do time do meu pai era mais importante. Emeu pai chorou a morte de quem falava mal dele pelas costas e muitas vezes, quando bebia, também pela frente. “Casa de Ferreiro, esperto de pau”. Vovó enxugava os olhos comigo deitada em seu colo. — Vovó, a bondade e a sabedoria têm nome e sobrenome. A senhora sabia? — Perguntei — o primeiro nome é o seu. O outro é o do meu pai. — Ela riu, aquele riso triste que só a avó da gente tem.
Dormi lá naquele dia.

28 janeiro 2025

VALE A PENA VER DE NOVO

 


    Minha amiga até canta e representa direitinho, mas daí a fazer novela vai uma boa distância, mas, se a TV a convidou, tudo bem, você vai — eu disse para ela — e você, vai comigo? — Perguntou com os olhos no chão e as mãos para trás, como se fora criança.
— Vou sim — respondi como se pudesse sair sem falar com alguém lá de casa. Meu pai, que morre de ciúmes da filha, fará cara feia, mas como nunca fui a um lugar como aquele, entenderá.
Nos estúdios levamos umas três horas, mais ou menos. Eu, em uma sala assistindo tevê, enquanto a outra dava entrevista a um diretor, sabe-se lá em que sala. Se perguntasse meu pai, diria sem pensar — ela deve estar fazendo o teste do sofá. — Já eu não digo nada, mas se depender desse teste para ser alguém na vida, com certeza ela o fará. Tenho vergonha de pensar essas coisas de uma amiga, principalmente depois que chegou rindo, feliz da vida com o que havia feito e pelo que deixou transparecer o prazer não foi só do diretor, mas dos dois. Pois é. Minha prima volta na semana que vem ao mesmo sofá, quer dizer, para outra entrevista.  Meu Deus, para que tanta entrevista? — Disse meu pai. — Certamente não é mais com a mesma pessoa, mas com outra ou, quem sabe, com outras pessoas. — falou e saiu antes que minha mãe lhe chamasse atenção. — Seu pai é engraçado. Se não tivesse uma filha mulher, duvido que falasse da filha dos outros  disse ela.
— Vocês que são brancos que se entendam — brinquei antes de ir para o quarto.

21 janeiro 2025

SARRADA FATAL

 


     Tenho vergonha de voltar ao assunto, mas se todas as mulheres se calarem, o que será da futura geração? Estou falando da Bia, filha da minha vizinha. Bia prefere o metrô ao ônibus. Alguém teria dito que uma senhora precisou avisá-la que um homem se esfregando na bunda dela ou, eu acho, ainda estaria com ele colado no traseiro. A velha ficou surpresa ao ver o homem ficar vermelho à medida que o tempo passava. E a débil mental olhando pra ontem. Enquanto isso, o tarado se aproveitava. Já passei por situação parecida. A diferença é que empurrei as pessoas para o lado e, com a ponta do dedo apontando para cara do "meliante" lhe disse poucas e boas. Ninguém entendeu nada uma vez que o indivíduo vazou da presença da gente. Vai encostar na mãe, seu safado, em mim não, tá legal? Só não falei que era santo, porque o resto, falei. Já ela não por fazer diferente de mim, o que me faz entender que engravidar sem relação direta é possível. Gente, se contasse para minha avó, a velhinha diria: “bem feito! Quem mandou a mulher se meter na vida dos outros? E se ela estivesse gostando, o que ela ia fazer? Nada, não é mesmo?” O negócio é que Bia, quando fica sozinha, incorpora um espírito que a leva a fazer coisas que ninguém consegue explicar. Coisas que só minha avó, que é do tambor, poderia esclarecer. Acho que diria; “É a pombagira que faz essas coisas e não a mocinha” — diria fazendo o sinal da cruz. — Cruz credo, não gosto nem pensar!

17 janeiro 2025

O TREM

 




    Querendo aproveitar um pouquinho das férias, pedi pro meu pai me levar à casa da minha avó, mas quando ele olhou pra cara da minha mãe que abaixou a cabeça entendi que não ia rolar. Minha mãe não deixaria, por isso recorri ao meu pai que pelo que pude notar, também disse não.
— ′′Já estou crescida, gente, por que eu não posso ir sozinha? Vocês me levam até a estação me colocam no trem e voltam pra casa. Não tem perigo nenhum” — eu disse para eles.
Após uma breve discussão concordam em me levar.
Na estação ninguém disse nada. Eu, nervosa e os dois mais calados que antes. Depois do apito mamãe, apertando um terço junto ao peito, benzeu minha testa e beijou minhas mãos. — “Vai com Deus, minha filha. Não esquece de ligar assim que chegar”.
— “Tá bem, mamãe. Quando chegar eu ligo. Prometo“.
O trem já estava saindo quando meu pai disse, baixinho, para ninguém escutar:
— ′′Filha, se você se sentir mal ou insegura, isso é para você!” — terminou com a mão no meu bolso tipo colocando uma oração, um comprimido para enjoo ou algo parecido envolto em meia folha de caderno.
O trem bufava soltando fumaça e eu ali sozinha olhando pela janela. Uma criança chorando a duas poltronas atrás de mim, me chamou atenção. A mãe, conversando com outras mulheres, ignorava a presença do filho. Durante as paradas era um tal de empurra, empurra de gente entrando e saindo que me deixava muito apreensiva, nervosa. O cara que entrou pedindo os bilhetes, falou qualquer coisa a uma senhora com um chapéu engraçado apontando pra mim. Não sei porque a velha me olhou com tristeza. A partir dali a confiança que eu tinha em mim acabou. Já não me sentia segura como antes. Comecei a ficar enjoada, as mãos molhadas. Até que o medo me tomou por completo. Abaixei a cabeça e... me sentindo um tanto perdida, comecei a chorar. Então me lembrei do meu pai com a mão no meu bolso. Peguei a jaqueta e vasculhei bolso por bolso, mas não achei nada. Nenhum remédio ele deixara ali. Só um bilhetinho dizendo o seguinte:
— ''Filha, qualquer coisa estou no primeiro vagão atrás do seu”.
Corri até onde ele estava sentado. A gente se olhou e eu, chorando, me joguei em seus braços. Meu pai, fingindo não ver o meu desespero, desculpou-se por estar me seguindo.
E eu o desculpei. Desculpei aquele anjo que sabe tanto de si, quanto da filha que tem.

12 janeiro 2025

A BLITZ ME PAROU.

 


   Meia hora no ponto e nada do ônibus chegar. Nem táxi, carro de aplicativo, nada. Eu já estava nervosa, como volto para casa? Para estudar na casa da amiga vim bem, mas voltar é que não estou conseguindo. — “Tá de greve, menina”. — Escutei um velho numa bicicleta falando. — “Obrigada, vou pedir para o meu pai vir me buscar — falei para quem, pedalando, já não me ouvia”. Liguei, mas ninguém atendeu. Esqueci que foram ao cinema. Só Deus para me ajudar, eu pensava, quando alguém buzinou. Eu nem ia olhar, mas uma moça, abrindo a porta do carro, falou: — “Estamos indo para a Tijuca, quer carona?” — Tijuca era meu caminho e como só tinha mulher, aceitei. Quem sabe, não me deixassem em casa — pensei. De repente, por cima do meu ombro, falaram no meu ouvido: — “Aí, oh!, dá um trago aí que essa é da boa, você vai gostar, podes crer” — “Não, obrigada, eu não fumo”. — Falei empurrando aquela coisa fedorenta da minha frente. Não só ela, como todas no carro, inclusive a motorista, fumavam aquela porra caria (desculpa, mas é isso mesmo que eu quis dizer). De repente o carro parou e a motorista, passou por cima de mim, abriu minha porta e falou; — “troca de lugar comigo. Você dirige. Quando passar a blitz eu pego de volta”. — “Mas eu não sei dirigir! Nunca peguei num volante!” — Falei. — “Dá a volta e entra no carro. Faz o que eu falar que ninguém vai notar que você não tem carteira, entendeu?” — “Tudo bem, se você insiste, vamos tentar!” — E assim eu fiz. Com ela falando, o carro deu uns pulinhos, mas conseguimos. Tudo ia bem quando a blitz, surgiu a nossa frente. — “Toca em frente, não para. Só para se eles mandarem”. — E mandaram. Um policial, com a mão levantada, mandou que a gente parasse. O carro deu um pulo e parou. — “Seu documento e os documentos do carro, senhorita”. — Felizmente a luz era fraca e o guarda não percebeu que eu era menor e carteira, cloro, não tinha — “Por favor, os documentos do carro e o seu” — insistiu. — “Esqueci na outra bolsa, seu guarda. A gente mora aqui perto” — menti. — “Desce do carro, você e os outros. O carro está apreendido” — sacou um bloquinho onde anotou qualquer coisa. — “Sim, senhor, tudo bem” — respondi. Abri a porta e saí, deixando as outras discutirem com ele. Tentei outras vezes o aplicativo e até conseguir; milagre! Diria vovó.
— “Tudo bem com você, filha? Já estávamos preocupados.” — “Está, sim, mamãe, é que o pai da garota com quem fui estudar, disse vir me trazer, por isso fiquei lá mais um pouco. Mas está tudo bem, sim, mamãe”. — Menti mais uma vez.

AS CALÇAS DO MEU AVÔ