28 de nov. de 2025

NÃO TENHO MEDO!

 



Quando eu era pequena, morria de medo do escuro. A noite, quando todos iam dormir, eu, na ponta dos pés, ia para o quarto da minha mãe.
De manhã, para ela não brigar comigo, perguntei muitas vezes se os monstros da noite comiam crianças?
Ela ria comigo no colo e falava que esses monstros não existiam, que eram coisas da minha cabeça, dizia, batendo a ponta do dedo na minha. Pelo contrário, dizia, as noites guardam segredos que só se descobrem de olhos fechados, dormindo, por isso, minha filha, você precisa dormir, mas não no meu quarto! Falava acariciando meu rosto.
Na noite seguinte, ela veio ao meu quarto. Levava uma lanterna que ela afirmava ser mágica e me deu de presente. Talvez pelos desenhos da lua e das estrelas que havia.
— Quando sentir medo, use a lanterna, minha filha, e escute o que as estrelas vão te contar!
Me agarrei à lanterna e, com ela ao meu lado, fechei os olhos na intenção de dormir. Pela fresta da minha janela, vi um bando de estrelinhas correndo de um lado para outro e, em seguida, uma voz me chamou. Surpresa, já sussurrando, perguntei quem me chamava.
— Somos nós, as estrelas! — responderam. Parecia que uns pontinhos brilhantes acenavam para mim.
— Rô, não precisa ter medo de escuro, pois é nele que nós, as estrelas, moramos. Agora durma que te mostraremos os mais bonitos lugares do mundo!
Foi aí que fechei os meus olhos e deixei me levar. Com ela, segurando minha mão, caminhei entre as estrelas, saltando de uma para outra. A mais brilhante me contou histórias maravilhosas.
No dia seguinte acordei muito feliz. Era a primeira vez que eu dormia sozinha. Do momento que mamãe entrou no meu quarto e me abraçou, não parei mais de falar:
— Mamãe, o escuro não é tão ruim, na verdade, ele é mágico! As estrelas me contaram coisas e até segredos elas contaram!
Daquele dia em diante, nunca mais tive medo do escuro e, quando anoitece, eu corro para a cama à espera das minhas amiguinhas que, como sempre, me contam histórias belíssimas, como mamãe afirmava.

23 de nov. de 2025

UNS COM TANTO. OUTROS SEM NADA.

 



           A diarista não apareceu esta semana e, como não atende as ligações, decidi ir à sua casa.
— “Oi, tudo bem. O que houve que você não apareceu mais?” — perguntei.
— “É o meu namorado que terminou comigo, só isso” — falou em tom baixo, próximo ao meu ouvido.
— “Qual foi o motivo que o levou a terminar?” — repeti no mesmo tom de voz.
— “Descobriu que o traía com outro homem.”
— “E por que está falando baixo se estamos sozinhas?” — perguntei com o queixo no ombro dela.
— “É que meu marido está em casa. Já pensou se ele escuta?”
Que vontade de gritar, de xingar, de voltar correndo para casa naquela hora. Já pensou se o marido descobre? E se ele a matasse na minha frente? Com que cara vou à delegacia se a polícia me obrigar a depor?
Nem mesmo o café que me foi oferecido eu tomei. Disse que estava com pressa, dei tchau e fui, vazei.
— “E então, minha filha. Como foi lá, com diarista?” — mamãe perguntou.
— “Sei lá, mamãe. Acho que brigou com o marido ou ele brigou com ela… sei lá.”
— “De vez em quando ela some” — disse, recolhendo as migalhas de cima da mesa. — “Se o serviço dela não fosse bem feito, eu a teria trocado faz tempo. Por aqui está cheio de gente pedindo para trabalhar”.
Mamãe foi resmungando para a cozinha e eu para o quarto pensando na besteira que fiz.

16 de nov. de 2025

CRUZ CREDO!

 


                 Se é minha amiga, posso te dar até um beijinho no rosto: contudo, se a garota não é, um simples cumprimento está adequado. Após um tempo, minha prima veio nos visitar com uma amiga. A garota, como que enlouquecida, abraçou e beijou meus pais. Ao chegar minha vez, dei um passo atrás e, colocando a mão no seu peito, perguntei: — e aí, tudo bem?
Mas não resolveu. Deu um giro em torno de si e, sorrindo, jogou-se em um dos sofás, como, certamente, costuma fazer na casa dos pais. Os meus concordaram com esse tipo de coisa, mas eu não. Comigo, o buraco não é no mesmo lugar. Minha prima juntou-se a ela no exato momento em que o foco laser da minha bazuca apontava o centro da testa das duas.
— A gente está namorando — declarou a maluca. Minha prima, apontando o dedo, gritou com a cara encostada na dela: — amiga!!! A gente é amiga, só amiga, entendeu?!
Não sei se meus pais acreditaram, mas eu, com certeza, acreditei. É a cara da minha prima. Meus pais estão cientes de que garotos namoram garotas e meninas com meninas, porém, na família… Portanto, o olhar do meu pai, foi direcionado à minha mãe, que somente assentiu e foi para a cozinha.
Quer namorar uma mulher que namore, mas não traga para perto de quem odeia ser cobiçada por outra. Mamãe chamou meu pai para auxiliá-la na cozinha. As duas foram para o meu quarto e eu saí sem destino.


9 de nov. de 2025

AMIGO NÃO PERGUNTA, FAZ!

 


Não me pergunte por que eu gosto de você, porque eu não sei responder. Posso tentar, por exemplo, elogiar o sorriso ou expressar o quanto aprecio quem respeitosamente brinca e até me provoca. No entanto, ainda seria pouco. Posso continuar arriscando, mencionando as ocasiões em que perdi o sono e enviei mensagem para você, que, ao invés de esfregar o relógio na minha cara, me respondeu com ternura. Também posso afirmar que houve dias em que, não me sentindo bem, telefonei para ouvir todas as palavras que eu gostaria de ouvir de alguém. E que, após tanto tempo juntas, acabei adotando todas as suas manias. Ou que foram suas considerações favoráveis e seu modo de me apoiar nos momentos em que precisei. Posso dizer ainda que foi sua atenção e paciência. Quantas vezes você me viu melhor do que realmente sou, tentando me fazer parecer melhor do que sei que jamais conseguirei. Das ocasiões em que insistiu comigo que somos mais fortes juntas do que quando estamos com outras pessoas. É possível que eu me atreva a dizer que, quando a morte ceifou a vida de um membro da minha família, foi você quem me envolveu em seu abraço e, em silêncio, permaneceu ao meu lado e, caso tenha chorado, sinceramente eu não vi. O sofrimento que eu via em seu rosto não me permitia.
Obrigada, muito obrigada por não escutar as pessoas que falam que você me adotou como filha e não como a amiga que eu sou.


4 de nov. de 2025

A PNEUMONIA DA VOVÓ

 



    Fomos ao hospital buscar minha avó, que, graças a Deus, ficou boa da pneumonia. Assim que chegamos, um médico, ainda sem o jaleco, passaria por nós se um senhor muito nervoso não corresse para ele apontando o relógio. — “O senhor não se envergonha de chegar a essa hora, doutor? Sabia que posso processá-lo se meu filho morrer?” — disse, muito irritado. O médico parou e muito educadamente respondeu: — “Desculpe, senhor, mas assim que me ligaram eu corri para cá”. Deu dois tapinhas no braço do homem e, antes de atravessar a porta que conduzia ao corredor da sala de cirurgia, afirmou: — “Fique tranquilo, tudo vai correr bem”.
Mas o homem não se conformava. Reclamava da liberdade que tinham os médicos. Meia hora mais tarde, aparece a enfermeira sorrindo, mas antes de falar qualquer coisa, o homem pergunta: — “E então, como está o meu filho?” — “Ele está bem” — ela responde — “semana que vem ele já volta para casa!” — “Pois é”, disse o homem, “se os médicos fossem mais responsáveis, ele já tinha ido embora. Por que será que esses caras chegam atrasados?” — “Ele não estava atrasado, senhor! Só chegou agora porque estava no velório do filho que, por infelicidade, faleceu num acidente de carro. Agora que terminou a cirurgia, ele volta para o enterro, entendeu?”
Ninguém disse nada até minha avó, acompanhada de uma enfermeira, muito simpática, começar a falar. Compreendi, naquele momento, que nem sempre a dor de um é maior que a do outro.