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05 maio 2025

HUMANAS ou EXATAS?

  


Aprendi desde cedo a respeitar os meus pais, os mais velhos e os professores. Fui orientada a não conversar com estranhos, mas com estranhas ninguém proibiu. Felizmente (ou seria infelizmente?) ninguém tentou nada sem que eu consentisse. Nunca me assediaram, zoaram ou mesmo fizeram bulling comigo e, pelo que os professores dizerm, o mérito não é só meu, mas também da minha família. Não me lembro de ter dado trabalho a eles quando criança e não seria hoje que eu lhes daria, por isso, meninas, até vou a casa de vocês, mas dormir, durmo não. E nem perguntar aos meus pais eu pergunto se já sei a resposta. Na véspera do encerramento das aulas, por exemplo, os professores deram uma festa. Os alunos tomavam refrigerantes enquanto os professores, às escondidas, tomavam cerveja. Dona Adelaide, a professora da única matéria que poderia me reprovar, ofereceu-me seu copo. -Pode beber que ninguém está olhando, falou. - Mas eu não bebo, professora. Mas não adiantou. A danada tirou o copo da boca e o colocou na minha. - Beba, você vai gostar. E eu bebi. A professora enchia o copo dela e o meu. Ela bebia, mas eu não. Jogava no vaso de planta que tinha ali perto. A cada golada, uma ria da outra. Batiam os copos no meu e dizendo tim tim, viram tudo de uma só vez. Quando a festa acabou me ofereceram carona, e como era ela, o carrasco das exatas, concordei, mas não foi para minha casa que quis me levar, mas para a sua. Você é doida, dirigindo após beber, eu pensei em falar, mas não falei. Não sou tão corajosa quanto pareço. Na casa, onde ela morava sozinha, D. Adelaide sentou ao meu lado e, sempre com uma desculpa, tocava seus dedos em mim. Até rolar um abraço, rolou. Depois um beijo no rosto e, quando tentei levantar ela me segurou. Pediu que a perdoasse, mas, ela precisava que eu ficasse mais um pouco com ela. O risco era imenso, não por conta do que ela ameaçava fazer, mas pelo que eu estava sentindo. Todos os pelos do meu corpo estavam alerta e na hora que tocou minhas coxas foi como se a luz apagasse. Não vi mais nada. Na primeira oportunidade eu fugi. Parei um táxi e nem olhar para trás eu olhei. Felizmente não precisei dos pontos que faltavam porque estudei. Estudei muito para na hora da prova não me estressar. Pedi ao meu pai para o ano seguinte ele me trocar de colégio, e ele atendeu.

25 abril 2025

EU e o PAPA

 



Eu tinha 5 anos quando o Papa veio ao Brasil. Tenho a impressão de que a Jornada Mundial da Juventude seria realizada em Guaratiba, mas, devido ao lamaçal que a chuva causou no local, o evento foi transferido para Copacabana, região próxima à nossa residência. Lembro de minha mãe e meu tio segurando minha mão quando o papamóvel, saindo do Forte de Copacabana, parou perto da gente. O Papa, não cumprindo com a determinação, abriu a janela e acenou para o povo emocionado que o aplaudia. Minha mãe diz que não havia ninguém parecido com gente naquele Fiat, mas com alma, tipo pai olhando seus filhos, havia uma de branco. Já meu tio enxergava mais longe. Diz que nos olhos daquele homem tinha um brilho, o mesmo quando meu avô olhava para ele e para minha mãe.  Meu pai também não me enxerga de outra forma e, quando se refere aos filhos dos outros, jamais questiona a sexualidade, o quanto os pais têm no banco ou a cor da pele de cada um.
Para o meu avô, como para o meu pai, filhos são obra do amor. Enquanto isso, eu, Rô, meio chorosa, reflito sobre o Papa Francisco, e sobre o meu tio, que já se foi faz tempo.
Sem ler o que falam a respeito, deixo aqui meu pitaco. Pena que a vida seja dividida em três atos: “nascer, dizer ao que viemos, e morrer”. Como eles.

21 abril 2025

OS OVOS QUE GANHAVA

 




   Todos têm acesso ao diário da Rô. Talvez um dos poucos sem senha, sem chave. Apenas minha mãe e meu pai não se arriscam, talvez por confiarem em mim. Dessa forma, é improvável que soubessem que mencionei os ovos maravilhosos que meu tio me dava quando ele e a mulher vinham para o almoço de páscoa em nossa residência. A data é para meditação, mas ninguém pensava nisso com titio por perto. Ele era a expressão da alegria em pessoa.
Meu pai levantou o cálice para um brinde, mas minha mãe, solicitando permissão, deixou a mesa e voltou abraçada a um ovo de páscoa grandão. Não
grande como se costuma dizer, mas GRANDE de verdade. Não fosse igual ao que titio me dava, eu diria, mas esse… era GRANDE. Abraçada chorei no seu ombro. Chorei pela surpresa, pela lembrança e, sobretudo, por nos lembrar de um homem que, a estas horas, estaria fazendo um discurso sem pé e sem cabeça e entre uma gargalhada e um riso, me dava o presente que mais gosto de ganhar nesses dias.
A páscoa com meu tio era especial, mas esta, particularmente, nunca vou esquecer. Agradeço imensamente à minha mãe pela surpresa. Obrigado, meu pai, por dar a ela o dinheiro e a bênção de decidir, e obrigado ao meu tio, esteja ele onde estiver.

19 abril 2025

PÁSCOAS DA MINHA VIDA

 


       Saudades do meu tio, irmão da minha mãe, que, nas sextas-feiras santas, chegava de mala e cuia com a mulher para passar a data conosco. Era, depois da presença da minha avó, a melhor visita daqueles dias. Titio, que Deus o tenha, vinha carregado com ovos de páscoa e o maior, o mais caro, gostoso e bonito, era para quem? Euzinha, claro. Hoje a data é marcada por boas lembranças, poucos ovos, de chocolate e muita reza aos pés do altar que a vovó mantém na residência. O dia é de festa, com peixe na brasa, vinho de todos os tons e muita criança de quatro seguindo pegadas que, como eu quando era pequena, jurava ser do coelhinho. Belas lembranças. Boas memorias. Quanto ao ovo caro, gostoso e bonito, não tenho ganhado mais. Há muito não tenho meu tio, meus ovos e aquela presença engraçada e tão respeitosa. Pena que minha tia não achasse o mesmo que nós, mas ela… ela pertence a outra tiragem.

14 abril 2025

GATO DE MOTO

 



     Minha prima tem uma amiga, com quem conversei algumas vezes, que dizem que se parece comigo. Eu não acho, mas… pelo menos em termos de idade, altura e cor preta de pele, sim, se parece, mas… infelizmente com outra cabeça. Eu, pelo menos, não permaneço até tarde na rua, independentemente de quem esteja comigo, ao passo que ela nem para os pais fala quando vai dormir fora.
Enquanto meus pais me temperam para o futuro, ela está pronta para bife. O problema é saber quem a engravidará. Ela, como outras, não saem com quem não tenha dinheiro, moto ou carro. Eu não. Não foco nesse tipo de coisa. É claro que eles fazem de um tudo para nos levar para a cama. Quando aceito sair com alguém, eu levo dinheiro ou nem saio. Para quem gosta de ouvir e de ler, como eu, não precisa conselhos alheios. Basta observar, discutir o assunto e viver essa vida tão curta, como diz minha avó. Não tão curta que não dê para estudar, arrumar um emprego condizente com a especialidade escolhida e sair por aí pagando o que vai consumir.
Se fosse de dar conselho, eu diria: dá um tempo, garotas! Vê se pensa, use a cabeça! A vida não foi feita em um dia. Portanto, minhas amigas, valorizem-se, aprendam com quem já viveu, ouçam seus pais e sejam felizes.

07 abril 2025

TÔ DE OLHO

 


   Na minha escola há uma aluna bastante metida e, apesar de se vestir, segundo as normas da escola, usa e abusa de pulseiras, anéis, brincos e colares valiosos. A mãe, que tem um carro bonito e caro, faz questão de trazê-la todos os dias. A garota afirma ser filha de empresária bem sucedida, mas sobre o pai nunca comentou. Dizem ser fruto de um relacionamento não planejado e deve ser mesmo ou não se comportaria do jeito que a gente vê. A mãe, como a filha diz, é empresária. No que concordo, só não diz empresária de quê, mas eu, que sou sua vizinha e não gosto da garota, posso garantir que a pessoa em questão, uma branca bonita e de nariz empinado, assim como a filha, não é outra coisa senão prostituta de alto padrão. Daquelas que homens ricos contratam para grandes eventos como sendo suas esposas, noivas ou namoradas, mas, como tudo tem um preço, precisam pagar por isso e pagam bem ou não dariam a elas a vida que dão. Aí fica fácil — eu diria se perguntassem — uma executiva que não paga impostos, não paga aluguéis, não paga mão de obra, conta de luz para exercer sua função é maravilhoso. Espero que a filha, caso não se dedique aos estudos, não siga os passos da mãe. — “Ó, boca maldita!” — diria minha mãe se tivesse acesso ao que estou escrevendo.
Pois, é. Se falar o que falei é ser fofoqueira, concordo e aceito. Pelo menos não falo o que ouvi dizer, mas o que juro ter visto.

30 março 2025

PRESTAÇÃO DE CONTAS

 


  Antes que perguntem se é verdade o que falei sobre a minha família, eu digo que sim. É verdade. Todos temos coisas para contar sobre o que acontece em casa, mas não contamos por medo de sermos cancelados ou por achar tudo normal e sem graça como de fato é. Na minha casa também não há nada de especial aos olhos alheios, mas aos meus há, tipo, meu pai é branco e minha mãe, uma pretinha. Se pudesse escolher, jamais escolheria a cor da minha mãe para mim, mas como não pude, nasci… preta também. Podia ter puxado meu pai, mas puxei o lado mais forte da casa, nesse caso, minha mãe. Meus cabelos podiam ser lisos, não digo loiros como os do meu pai, mas não deu e não me queixo, nem quando fazem bullying comigo. Meu pai não acha que ela não seja tão forte assim, mas fica pianinho quando ela fala com as mãos nas cadeiras. Isso é bonito, é romântico, é o que todos deveriam fazer como exemplo para os filhos e principalmente para as filhas. Não me refiro a essas que chegam e saem de casa como se morassem sozinhas, como se tivessem nas mãos as rédeas dos próprios narizes, mas para as que nascem e crescem procurando nas mães as paralelas e nos pais o alicerce onde erguerão aquilo em que se tornarão. Se alguém quiser, pode me chamar de boba por ficar horas ouvindo os meus “velhos” conversarem. Quando não estou em casa é quando presto mais atenção, principalmente se meus avôs e minhas avós estão conversando. Se eles sofreram durante o aprendizado, eu prefiro aprender sem sentir dor. É ouvindo e vendo com atenção que encurtamos o caminho, que acertamos mais do que poderíamos errar. Não sei quando comecei a falar dessa gente que amo. Mas não importa se falei porque vou continuar falando, deles e de mim, que pouco tenho para falar. No futuro, quem sabe meus filhos não contem para os filhos e os netos deles o mesmo que me fez rir e às vezes chorar de alegria ou apreensão. Pois que riam e que chorem, juntos, porque chorar sozinho, sem u'a mão no ombro, ninguém merece.

21 março 2025

AS CALÇAS DO MEU AVÔ

 


       As primeiras calças de moletom que usei foi presente da minha ex, como falou meu avô olhando pros lados. — Quando deixou de prestar, botei pra dormir, mas depois, mesmo com o coração apertado, entreguei pro zelador jogar fora. Dias mais tarde, Boca Murcha, um morador de rua que vive me pedindo cigarro, passou vestido com ela. Desse vez não foi ele que me parou, fui eu. — “Boca, mas como você tá bonito, rapaz! Calça nova… quem te deu, foi sua namorada?” — perguntei rindo pra ele — “Foi um amigo” — respondeu — “presente de fim de ano”. — “Taí, Boca Murcha, se quiser me vender, eu te dou 20 conto por ela” — falei tirando a carteira do bolo. — “Agradeço muito, mas vender, vendo não. Presente a gente não vende, seu moço!” — Ele disse. — “Mas gostei da calça, por isso aumento pra 50. Te dou 50, olha, tá aqui uma nota novinha” — empurrei o dinheiro em sua direção.  Boca Murcha engoliu em seco. Olhou para um lado e para o outro, e como não vinha ninguém, desamarrou os cadarços e antes de baixá-las eu pedi que parasse, que não precisava. — “Só tem o seguinte, Boca Murcha” — falei entregando o dinheiro — “quero que você me prometa que não vai vendê-la mais a ninguém, tá certo?” — Boca Murcha, todo feliz com o dinheiro e com o presente que o zelador lhe dera, disse que sim, que prometia. Me deu um abraço, agradeceu e pra não perder o costume me pediu um cigarro e sorrindo foi tomar uma no bar.
Assim, não com essas palavras, meu avô nos contou a história de uma calça de moletom que teria ganhado da sua ex. Mas que ex, vovô se minha avó jura que vocês eram virgens quando se casaram?

12 março 2025

VAI COM CALMA!

 


     

Estou chateada com minha mãe e como não tenho com quem reclamar, reclamo aqui com minha boa vontade e paciência, até porque, mamãe sempre foi a melhor amiga que conheci. Daquelas que não tem segredos que não possa dividir. Também não tenho segredos para ela, mas, depois da conversa que ouvi sua com meu pai, tenho cá minhas dúvidas. Embora eu não estivesse atrás da porta, ouvi quando perguntou por que minhas amigas têm namorado e eu não? Meu pai disse que eu era muito nova, me defendendo, mas mamãe discordou. Disse estar de olho no meu comportamento e queria que ela também ficasse me olhando para, caso notasse qualquer coisa que fosse falar com ela Seja lá o que for, a gente vai apoiá-la disse com olhar de reprovação. Fiquei chateada com ela dizendo essas coisas. Por que não fala comigo ao invés de colocar minhocas na cabeça do velho? Será que mamãe não percebe que minhas amigas passam de ano com ajuda dos professores enquanto eu, com louvor? No momento eu só quero estudar. Me preocupar com as matérias e não com a mão boba desses moleques metidos a homem. No final vão me agradecer. Se passo na federal não vão ter que gastar tanto com meus estudos. Oh, vontade de falar isso com minha mãe, mas acho melhor não. E se ela confia em mim como vive dizendo, espere que logo terá minha resposta, portanto, mamãe, como diz Jorge Ben Jor, Take It Easy. Quando chegar a hora a gente conversa, ta bem! Lembre-se disso!

28 fevereiro 2025

EU HEIN!!! (02)

 



      Lembra quando falei que "trancada" em sala de aula não ensina a viver? Vocês lembram do senhor que deixei na praça sem responder às perguntas que, talvez, quisesse fazer? Você se lembra de que prometi não revelar nada aos meus pais? Pior é que contei. Meu pai não disse nada. Permaneceu quieto, olhando o teto enquanto eu falava. Parecia não estar nem aí para mim, mas eu estava enganada:
— “Filha, quando Deus criou o mundo, dois deuses, querendo agradar, criaram o elixir da juventude eterna. Amarraram a carga no lombo de um burro e o mandaram entregar aos humanos. Na volta o animal, tendo sede, procurou uma fonte onde uma cobra era a dona. — “Essa fonte é minha. Aqui, somente é permitido beber quem entrega o que está carregando”. — O burro, que não tinha noção do quão valiosa era a juventude que levava em dois cestos, os entregou em troca de água.
— “Filha” — como me disse o meu pai — “essa história fala sobre a ignorância e as consequências do desconhecimento. Se o burro não fosse tão burro, saberia que seu gesto proporcionou às cobras o que seria dos homens. E assim, minha filha, os homens continuaram envelhecendo e as Cobras se renovando a cada ano”. — Não satisfeito, botou a mão no meu ombro e continuou: — “Faça mais amigos, converse com quem não sabe nada, até porque os que sabem não fazem ideia do que os diferentes fazem e falam. Olhe mais e ouça com mais atenção. “Não quero que seja vulgar, chata ou inconveniente, mas adoraria tê-la como as pessoas da sua geração” — concluiu.


21 fevereiro 2025

CHOFER OU MOTORISTA

 



    Finalmente a casa vizinha ficou pronta e alugada. Meu pai ficou bastante contente ao saber que o casal não tem filhos — criança faz muito barulho, como ele mesmo afirma.
A moradora é bonita e bastante simpática, pelo menos pergunta como estamos assim que nos vê. Ele é um homem reservado com cara de poucos amigos, mas não destrata ninguém. Ela disse, em conversa com minha mãe, que trabalha em um escritório. — Saio logo depois dele e vou para casa antes — disse a mulher.
Ontem à tarde aconteceu um fato engraçado, para não dizer triste. Estávamos na varanda, eu e mamãe conversando, quando um carro parou na frente de casa. Minha mãe disse que não parecia com um carro de aplicativo. Tanto é verdade que, de onde estávamos, foi possível perceber quando o motorista beijou a mão da mulher ao seu lado. Minha mãe disse que a gorjeta deveria ter sido generosa ou não beijava a mão dela. O problema foi o vizinho chegar mais cedo e estar no portão naquele momento. Ele seguiu para a frente da nossa casa, de onde pôde ver a esposa muito à vontade com o dono do carro. O homem foi até o carro, abriu a porta com tamanha intensidade que a mulher só não caiu porque ele a segurou. Ela veio na frente sem olhar para os lados com ele bufando atrás dela. A discussão começou quando o portão se fechou atrás deles. A agressividade do indivíduo ere tão intensa que até nos causou incômodo. Mamãe disse que ouviu alguém questionar sobre um vermelhão no pescoço e a mulher responder ter sido a ventosa que o terapeuta usou no tratamento que vinha fazendo. O marido deve ter se convencido, pelo menos parou de gritar. Parou porque precisou ligar para a clínica e ouvir da recepcionista que ela estava de alta há bastante tempo. — Isso é dedução de mamãe que ficou na varanda para escutar o babado enquanto eu, euzinha, para dizer a verdade, corri para o meu quarto. Pelo visto, será difícil para a mulher não responder às perguntas que serão feitas. Se ela falar a verdade, ele a expulsará. Mas se ela mentir, amanhã sairá feliz e sorridente para o “trabalho”.

HUMANAS ou EXATAS?