Minha avó Maria é do tipo erudito. Aquele que usa o idioma de forma rebuscada, requintada, eu diria. O meu avô, ao contrário, não tem uma grande capacidade de compreender certos termos, com os quais a mulher o azucrina todos os dias, há décadas. Já meu avô é homem da roça. Lá ele nasceu, cresceu e casou-se. Minha avó também nasceu e cresceu por lá, mas ela estudou e foi com ela que meu avô aprendeu a ler e a escrever. Vovó deve ter sido rebelde na adolescência para casar-se aos 14 anos com um moleque de 16, com quem vive até hoje. Eu os chamaria de loucos, mas se deu certo, ta tudo certo. Quanto aos estudos, meu avô aprendeu pouco, mas vovó aprendeu mais. Até hoje ela fala engraçado. Vovô diz que não entende nada, mas para ela ele não fala. Faz com a cabeça que está entendendo, o que dá motivo para ela continuar falando. O engraçado são os termos que ela usa numa conversa. Um dia desses, ao chegar da escola, escutei minha mãe rindo com alguém lá na sala. Fui até onde estavam e dei com vovó conversando com minha mãe. Eu já devia saber que ninguém fica sem rir conversando com ela, mas infelizmente eu não sei. — O médico que atendeu o seu pai — disse vovó apontando para o marido sentado assistindo TV — nem parecia um "acartado" — dizia. — Doutor "acartado" não tem que olhar livros para “aviar” suas receitas, mas esse médico olhava. Peguei a receita e, ao tentar ler o que escrevera, o esculápio se levantou, de onde estava sentado, tirou o jaleco, que enfiou numa pasta de couro e saiu sem dizer o valor da consulta. Olhando o cartão na minha mão, a secretária pergunta: — Débito ou crédito? — Acho que ele estava “aguçado” — falou à secretária, que respondeu com sorriso. Minha avó diz que não entendeu a letra dos médicos, mas não perguntou a ele se tinha entendido o que ela falou. Talvez entendesse porque ele estudou, enquanto o resto, nem tanto.