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sexta-feira, setembro 20, 2024

E SE FOSSE COM VOCÊ?

 


     Do meu quarto, eu ouvi a empregada dizer que a enfermeira a acariciava na hora do banho. O fato ocorreu quando internada para extração da vesícula e, como é desligada, demorou a entender que carinho difere de sacanagem. — “No princípio, eu não disse nada, tive dúvidas, talvez achasse que todas as enfermeiras fossem tão carinhosas. Só percebi quando uma colega de enfermaria questionou o que eu estava fazendo ali, uma vez que, há alguns dias, estava de alta. Foi quando a ficha caiu. A enfermeira devia saber, mas, para não me perder, calou e não disse nada. Podia fazer uma queixa à direção ou denunciá-la, caso estivesse certa daquilo que fazia, mas preferi me manter calada. Não por medo de represália, mas para evitar problemas caso eu precise voltar”. — disse toda sem jeito. — Duvidando que aquilo fosse verdade, eu fui até lá. Minha mãe só me olhou, mas foi o bastante. Certamente pensando no que eu faria se fosse comigo? Não sei  eu diria. Talvez fizesse o mesmo que ela ou ficasse me perguntando se isso é errado ou não, pois, não é sempre que o poder público nos trata com dignidade ou carinho. Só espero que a empregada não volte a ser internada por esse mesmo motivo ou por outro, até porque cansei de cuidar da casa enquanto ela se “tratava” e minha mãe trabalhava.

sexta-feira, setembro 13, 2024

CIÊNCIA EXATA – 02.

 

              


          Levei um susto com minha mãe me chamando da entrada do quarto.
– Já é tarde, garota. Levanta. Você não vai à escola? – Joguei o travesseiro na porta, cobri a cabeça e voltei a dormir. Foi um custo levantar. O problema é que era prova. Prova de matemática. Felizmente a “megera” estava de férias e Thomaz, um cara bacana, ficou no lugar dela. Eu ainda estava meio para baixo, mas logo me recuperei. Até me animei ao ver que os tênis e o jeans, que uso para ir à escola, nada tinham a ver com o que eu estava sentindo.Daí a troca pelo vestido de alcinha que mamãe me deu no natal. Prendi o cabelo, passei aquela parada nos lábios, sei lá de que cor era aquele batom, pequei a mochila e vazei. Nem sei o que meu deu para essa mudança. Eu sabia que iam me zoar, mas... Minha turma era muito bagunceira, assim como eu, mas tivemos de dar um tempo por causa da chata da professora. Com ela a gente ficava pianinho, só no sapatinho. Mais parecia colégio de freiras. Já o Thomaz, esse cara era maravilhoso, não só como professor como era bonito e jovem, quase da nossa idade. Era legal ter aulas com ele. Nem parecia que "alguém" existia. Todos estavam numa boa, conversando, mas quando eu entrei, todos se viraram para me olhar. Era um tal de assoviar, me chamar de gostosa que, se eu não levantasse a mão mostrando o dedo do meio, até agora estariam me azucrinando o  juízo . De repente, assim, do nada, a sala ficou em silêncio. Mas como assim, o que a "megera" faz aqui, ela não estava de férias, e o Thomaz, cadê o Thomaz, gente? Ela entrou me olhando. Dane-se, todos já me olharam antes de você, sua vagabunda! — eu pensei. O problema é que a “vagaba” tava diferente assim como eu também estava e se já me sacanearam sendo amiga deles, imagina o que fariam com ela. Nada de conjuntinho combinando, sapato alto e cabelo preso puxado para trás, mas minissaia, sandália rasteira, cabelo pintado na cor caju, cortado na altura do ombro e os peitos quase pra fora do sutiã que certamente nem era dela, mas o primeiro que a filha ganhou, era como a professora de matemática se apresentava naquele momento. Gente, a mulher estava arrumada, eu diria, bonita. Durante a prova inteira, com a turma em silêncio, ela gritava. Com o rabo do olho, eu via que era pra mim que falava daquele jeito, que olhava pra ver se eu estava olhando. Conforme escrevi no diário, sob o nome de “Ciência Exata — 01”, em 10 de novembro passado, foi com essa professora que comecei a entender que mulher também tem tesão por mulher, assim como os homens têm por nós. Infelizmente, eu não sou pro seu bico, tia — tive vontade de dizer. Nem para o seu, nem pro bico de outra mulher, a não ser que eu queira enganar a mim mesma. Só espero que não.  Ah, quanto à prova,  foi melhor do que eu esperava: gabaritei. O problema é que tive dois erros, mas se me deu nota 10, tudo bem. Valeu, mesmo! Só não tenha esperanças, te peço.

sexta-feira, setembro 06, 2024

OLHOS PRA QUE TE QUERO.

 


Fiquei envergonhada com o que disse um casal, que estava no mesmo trem, que a gente, se referindo ao meu primo, um jovem de 19 anos, que voltava a casa comigo e o meu pai. Durante a viagem, meu primo, apontando para fora da janela, gritou para o meu pai: “Titio, olhe as árvores andando para trás”! Meu pai ficou pasmo ao notar que o casal o olhava com olhos de piedade. Em seguida, meu primo, apontando para o alto, falou: “Olha, titio, as nuvens estão correndo com a gente”! O casal não resistiu. Pensando que se tratava de uma pessoa com deficiência mental, tocou o braço do meu pai e falou: “Por que você não o leva a um especialista”? Meu pai, sempre bem-educado, então respondeu: “Meu irmão já fez isso. Estamos retornando do hospital onde ele foi operado. Era cego de nascença e estas são as primeiras paisagens que vê após o transplante”.

segunda-feira, setembro 02, 2024

O INVASOR

 


      Mesmo chovendo, como estava, minha mãe não devia ter sugerido que o Luiz dormisse lá em casa. Afinal, não era nenhum dilúvio que caia lá fora. Se meu pai não tivesse viajado, duvido que ele permitisse. Luiz é um primo de quem minha mãe gosta muito. Quando era pequena, eu brincava com todo mundo, menos com ele, que já era grande, tipo, 8 anos mais velho. Talvez até brincasse, mas não gosto de garoto abusado e ele era muito abusado. Minha mãe arrumou o quarto para ele antes dela ir se deitar, mas o cara, ao invés de ir para o quarto que ela arrumou, preferiu vir para o meu, perturbar. Começou perguntando o que eu fazia, se ele sabia que eu estava estudando. Eu não o tinha convidado para entrar, mas ele entrou. Entrou e sentou-se na minha cama, coisa que eu odeio. E sem que eu esperasse começou com aquele papo furado para cima de mim. — “Ah, que você é linda. Ah, bem que a gente podia sair de vez em quando”. Esse papinho enjoado que os idiotas costumam usar. Na hora eu pensei em pedir para ele ficar do lado de fora, mas não falei. Não falei, mas devia ter falado. Se falasse talvez não tivesse passado a mão nos meus cabelos, tirado alguma coisa do meu ombro, que ele achava que tinha, e outras coisas que fazem quando estão a sós com a gente. E eu com uma vontade danada de colocá-lo para fora do quarto, mas fiquei na minha, calada, anotando o que eu precisava estudar. Na hora que ele levantou, segurou o meu rosto e tentou me beijar, foi que eu explodi. Botei as mãos na cintura, como faz minha avó e soltei os bichos: — olha aqui, seu miserável. Não tente me tocar outra vez, porque eu chamo minha mãe. Isso se eu não chamar a polícia. E não pensa que eu sou para o seu bico porque eu não sou! E outra coisa; no dia que eu precisar de homem, não será de homem igual a você porque homem, para mim, tem que ser bonito. E ele era. Tem que ser educado. E ele era, e tem que ter emprego que garanta o futuro da gente. E ele tinha também. Homem para mim não pode ser atrevido, mas também não precisa ser bobo. O homem tem que saber respeitar, e você não respeita nem a casa de quem te ajudou nos estudos. Vou aproveitar para dizer o que nunca pensei que fosse preciso; saí já do meu quarto agora senão eu chamo minha mãe!!!  E ele saiu. Saiu e eu não chorei. Nesses casos, eu sempre fico com os olhos molhados, mas dessa vez não. Fiquei foi fedendo de tanta raiva que eu estava sentindo.


segunda-feira, agosto 26, 2024

UM ROLÊ COM VOCÊ.

 



Na fila do caixa do mercado do bairro escutei uma conversa entre uma vizinha e sua amiga. Escutei porque fui obrigada. Se eu saísse da fila, perdia o lugar. Essa vizinha falava baixinho sobre o ombro da outra que tinha ido ao pagado na noite passada e essa vizinha, é bom que se diga, é casada, mãe de duas crianças pequenas, trabalha fora e é muito bem vista no condomínio onde moramos. O bom disso tudo é o marido dividir os trabalhos da casa com ela. Mas voltando ao assunto; ouvi dona Cássia, que tem outro nome, mas para não comprometê-la vou chamá-la de Cássia, eu a ouvi dizer que tinha ido ao pagode na noite passada. Disse baixinho sobre o ombro da amiga a sua frente. Eu estava atrás perto, atrás delas. O que ela disse era verdade porque eu mesma a vi entrar no carro com algumas amigas por volta das 21h. O show acabou por volta das 2 da madrugada, mas só às 5 voltou para casa, como falou. Ao perguntar se o marido ficara bolado com a hora, ela disse que não. Era um acordo que havia entre eles. Se um gosta de futebol e o outro não. Esse um fica com as crianças enquanto o outro vai torcer por seu time. Dona Cássia e o marido tem a mesma idade, 32 anos e são pais de 2 crianças. Eu fiquei muito feliz, não por demorar tanto para voltar, mas pela liberdade que um dá para o outro. Já pensou se todos os casais fizessem assim? O respeito é tudo e se um confia no outro, por que não fazer o que se gosta quando se pode? Nunca vou esquecer dona Catiaho falando que o dia é grande, é muito grande, é gigantesco, para quem trabalha, para os doentes e os prisioneiros, mas para a felicidade não passa de meros segundos.
Chegou minha vez, pera aí!  Quanto deu aí, moça? O cartão é da minha mãe, pode parcelar?

terça-feira, agosto 20, 2024

SÓ O AMOR EXPLICA.

 


    Um casal, muito estranho, escolheu morar perto da gente. O apartamento é o primeiro à direita do nosso. A mulher é magrinha, bonitinha e muito falante. Já o marido é grandão e só vive de cara fechada. Ela fala com todo mundo, já ele, nem bom dia dá para ninguém e como funcionário de multinacional, passa a maioria do tempo na empresa, trabalhando. Sai de casa toda segunda-feira e só voltar na quinta, ficando, portanto, mais tempo trabalhando do que em casa com a mulher. Quando está em casa o silêncio é total. A paz, como diz minha mãe, é vizinha da gente. Ninguém levanta a voz quando fala e se ri, ri baixo para não incomodar. Seriam ótimos vizinhos, não fosse a esposa resmungar quando se acha sozinha. Nessas horas é quando ela chora e até já ouvi uns gritinhos com a mão na boca para a gente não escutar. Deve ser por saudade do seu amor. Enquanto ela se descabela em casa, ele trabalha pensando nela. Basta um mensageiro chegar com flores ou algo que ele tenha mandado para deixá-la assim, chorosa. Pior é que o “Japa” não fica um dia sem mandar nenhuma coisa para ela. É só a campainha tocar que ela corre para atender. Troca algumas palavras, que não dá para ouvir, e volta para a cama para resmungar, choramingar, chupar o ar pela boca como se o dente estivesse a doer. Tem vez que o mensageiro, pela voz, que nunca é o mesmo, vem três e até quatro vezes já veio entregar “flores” a ela. Eu não os vejo, mas escuto a porta abrir, os dois conversarem e ela entrar para chorar, mais uma vez. Como não são vistos de mãos dadas ou conversando um com o outro, ninguém acredita serem tão felizes como eu acredito. Até porque o meu quarto é colado ao quarto do casal. Com ele em casa o silêncio é total, mas sem ele é quando ela sofre.
É como diz minha avó, quem vê cara, não vê coração.

segunda-feira, agosto 19, 2024

ERRO DE CÁLCULO

 



    Jamais esquecerei a história que a gente viveu... Do momento em que nos conhecemos e o que uma deixou tatuada na alma da outra. Depois, vieram os encontros, os passeios e as gargalhadas gostosas que você dava e, inicialmente, me deixavam sem graça. Dos papos que a gente batia, do cinema e dos passeios que a gente dava nos finais de semana, lembra? Nunca vou esquecer o dia em que a gente se olhou, pela primeira vez, e você disse "oi". Depois, foram muitos risos, histórias do boi Tatá que uma contava para a outra e a outra, quase sempre eu, achava que tinha mijado na roupa de tanto rir? Não vou, por mais que eu queira esquecer seu sorriso e até as gargalhadas que dava, eu não consigo. Você se lembra do mico que paguei quando você riu pela primeira vez, e eu, apontando para o seu dente, disse que tinha uma casquinha de feijão nele? Meu Deus! Como eu fui babaca. Morri de vergonha quando você me falou que era piercing? Meu Deus! Mostra-me um buraco para eu me esconder! Outro mico, eu não paguei para ninguém, mas para mim mesma. Foi quando você disse ter se apaixonado por uma menina. Olha só a minha cabeça! Você jurando fidelidade para uma amiga e eu, idiota, pensando besteira. Desculpa, amiga, mas é verdade. Olha só, você não deve ter se esquecido das noites que passamos juntas, principalmente daquelas em que, deitadas na grama do jardim da sua casa, ficávamos horas olhando as estrelas e, quando uma estrela caia não se sabe para onde, a gente pedia que nos mandasse um príncipe que nos amasse de verdade. Uma vez escutei o seu pai dizer para sua mãe que a gente era maluca. — “Olha lá, Cotinha, as malucas falando com estrelas como se estrela escutasse e soubesse falar!!!
“A gente riu muito do Seu Bené, você lembra? Depois de tantas juras, eu vou jurar novamente: juro que não contarei nossa história para ninguém, nem para os meus filhos, caso eu for mãe algum dia. Não conto porque, só de pensar, eu começo a chorar, imagina falando, como estou nesse diário... Eu não teria coragem de dizer que você foi minha amiga. Muito, muito amiga. Mas, por um erro do destino, Deus a levou do nosso convívio. Eles não acreditariam que duas pessoas vivendo atualmente pudessem ser amigas do jeito que a gente foi, quer dizer, que a gente é.


domingo, agosto 11, 2024

EU SOU SUA FILHA.




 

Quero pedir perdão ao meu pai, mas eu fico sem jeito, por isso não peço. Perdão por dizer, aqui, no diário, que muitas vezes, quando eu era criança, meu pai me provou
que podia
voar e que era mais forte que um bisão. Duvidei quando, na semana passada, eu pedi que viesse à escola levantar o carro do professor, que não tinha macaco, para trocar o pneu, e ele não foi. Não custava nada meu pai levantar o carro para o professor trocar o pneu. Por isso, eu duvidei. E fiquei triste por acreditar naquela história de homem mais forte. O mesmo aconteceu quando, eu já era grande, pedi para ele voar. Ele riu, mas não fez o que eu lhe pedi. Duas vezes, quando eu mais precisei, meu pai não me atendeu. Sinto vergonha por duvidar de um cara que, na hora exata e no momento exato, não se omitiu. Estávamos de carro, felizmente em um lugar seguro, quando o rio transbordou depois do dilúvio, arrastando tudo o que via pela frente. Era muita água. Carros sendo arrastados e a gente ali dentro sem poder avançar ou recuar. Em dado momento, meu pai abre a porta, corre até o porta mala, tira a mangueira que eu não sei como veio parar ali. Pode ter emprestado a alguém para regar o jardim. Em seguida, vai até um poste, onde amarra uma das extremidades dessa borracha e vai desenrolando à medida que avança através da correnteza até o local onde alguém, num carro que estava afundando, iria morrer. Eu percebi meu pai dando socos no vidro da janela daquele carro e, por meio desse vidro quebrado, um homem e uma criança saíram. Meu pai colocou a criança nas costas com o homem amarrado na cintura. A água batia em seu peito, mas, com calma, segurando firme a borracha, passo a passo, meu pai os trouxe para um lugar seguro. Lugar onde todos o aplaudiam. E foi assim, com lágrimas nos olhos, que vi o quanto eu estava enganada. Errei por duvidar de um homem que sim, um homem pode voar e a força dele não é como a força de um bisão porque é maior. É muito maior. Perdão, meu pai. Perdão. Que orgulho a gente tem do senhor!

quinta-feira, agosto 01, 2024

O LIVRO QUE EU LI

 


      No segundo ano de escola minha professora nos pediu para escrever um texto de 20 linhas falando do pai da gente. Todos fizeram o seu, só eu, que tinha um pai tão maravilhoso e tão meu amigo e amigo da minha mãe, não sabia o que dizer. Como falar de uma pessoa assim, tão bondosa e carinhosa em 20 linhas, apenas? Então me lembrei de um livro, acho que foi o Pequeno Príncipe, que eu li quando tinha 6 anos. Aquele livro falava de uma pessoa assim, como o meu pai. E foi pensando nisso que transcrevi o que dele, do livro, eu me lembrava.
“Peço perdão às crianças por dedicar este livro a uma pessoa grande. Tenho uma desculpa séria: essa pessoa grande é o melhor amigo que possuo no mundo. Tenho uma outra desculpa: essa pessoa grande é capaz de compreender todas as coisas, até mesmo os livros de criança. Tenho ainda uma terceira: essa pessoa grande mora na França, e ela tem fome e frio. Ela precisa de consolo. Se todas essas desculpas não bastam, eu dedico então esse livro à criança que essa pessoa grande já foi. Todas as pessoas grandes foram um dia crianças (mas poucas se lembram disso). Corrijo, portanto, a dedicatória:” — Papai, eu te amo. Obrigado por me escolher para ser a filha que o senhor quis para o senhor. Ponto final.
Assinado: Rô.
Eu nunca vi ninguém rir de quem estivesse chorando, mas foi o que eu fiz quando a professora, ainda lendo meu texto, enxugou os olhos e me abraçou.

terça-feira, julho 30, 2024

CARA DE UM, CARA DO OUTRO.

 



Meu professor de ciências e dez amigos contrataram uma van para os levar até o estádio onde o seu time jogaria. Dado que o meu pai é bastante chegado, solicitou-me que o convidasse, desde que levasse mais uma pessoa e pagasse por ela. O meu pai, demonstrando grande satisfação, concordou pagando as passagens. Tinha em vista a minha mãe, mas, infelizmente, ela não vai. Não vai e ainda se zangou por pagar sem consultá-la. Não só por isso, mas por ele não se lembrar que minha avó, como faz nos domingos, vinha almoçar conosco. Mamãe jamais desmarcaria um compromisso pré-agendado. A tristeza tomou o meu pai de tal maneira que até fiquei triste por ele. Sabe aquela de menino que apanhou de cinta do pai?, pois era como ele ficou. Foi isso que me levou a cometer a besteira que cometi — “Não fica assim não, papai. Eu vou com o senhor”. O meu pai mudou na hora. Ele sabe que detesto futebol, mas se eu não faço alguma coisa naquele momento eu não dormiria em paz, nunca mais. — Papai, quem mais vai conosco, além do professor? — Ah, minha filha! São amigos dele. Só por isso aceitei o convite. Amigo de professor deve ser “gente boa” que dizem vocês. — E lá fomos nós. Na ida foi uma maravilha. Cada um conversando com quem estava a seu lado, como fazíamos eu e meu pai. Tudo foi bem, a viagem de ida e a vitória do time deles, mas na volta, a coisa fedeu. Deve ter sido a bebida que tomaram durante o jogo. O filho de um professor, que dizia ser de ciências naturais, não parava de falar. Não falava nada que prestasse e até me cuspiu algumas vezes, me cuspiu falando alto do jeito que falava. Não só ele, como o pai, professor de ciência, beberam além da conta ou não apoiava o filho nas besteiras que falava. Jesus do céu! Como era chato aquele rapaz, não só eles, outros, mas ele e o pai deram um show de babaquices. Basta fechar os olhos para vê-lo de pé, gritar para os outros: — “é isso aí, mermão! Aqui é Framengo, tá ligado!” Dizia com tapas na curva do braço e, a cada balanço, caindo por cima da gente. O motorista e o professor que arrumou aquela coisa podia, pelo menos, dar um “freio de arrumação” naquela bagunça. Não precisei olhar para ver a cara que fazia o meu pai e ele muito menos me perguntou o que eu achava daquilo tudo. A gente se conhece. Pior do que estava não podia ficar, mas ficou. O trânsito está uma bosta. Um percurso de meia hora a gente levou mais uma hora. Uma hora e meia ouvindo as sandices daquele babaca do pai babaca e do resto de babaca que ria não sei de quê. — Papai, eu te amo, mas, por favor, não me mete mais nesse tipo de furada, “tá ligado?” hahahaha. Só rindo, “mermo”.

quinta-feira, julho 25, 2024

QUANTO PIOR, PIOR.

 


Minha avó Maria é do tipo erudito. Aquele que usa o idioma de forma rebuscada, requintada, eu diria. O meu avô, ao contrário, não tem uma grande capacidade de compreender certos termos, com os quais a mulher o azucrina todos os dias, há décadas. Já meu avô é homem da roça. Lá ele nasceu, cresceu e casou-se. Minha avó também nasceu e cresceu por lá, mas ela estudou e foi com ela que meu avô aprendeu a ler e a escrever. Vovó deve ter sido rebelde na adolescência para casar-se aos 14 anos com um moleque de 16, com quem vive até hoje. Eu os chamaria de loucos, mas se deu certo, ta tudo certo. Quanto aos estudos, meu avô aprendeu pouco, mas vovó aprendeu mais. Até hoje ela fala engraçado. Vovô diz que não entende nada, mas para ela ele não fala. Faz com a cabeça que está entendendo, o que dá motivo para ela continuar falando. O engraçado são os termos que ela usa numa conversa. Um dia desses, ao chegar da escola, escutei minha mãe rindo com alguém lá na sala. Fui até onde estavam e dei com vovó conversando com minha mãe. Eu já devia saber que ninguém fica sem rir conversando com ela, mas infelizmente eu não sei. — O médico que atendeu o seu pai — disse vovó apontando para o marido sentado assistindo TV — nem parecia um "acartado" dizia. Doutor "acartado" não tem que olhar livros para “aviar” suas receitas, mas esse médico olhava. Peguei a receita e, ao tentar ler o que escrevera, o esculápio se levantou, de onde estava sentado, tirou o jaleco, que enfiou numa pasta de couro e saiu sem dizer o valor da consulta. Olhando o cartão na minha mão, a secretária pergunta: — Débito ou crédito? Acho que ele estava “aguçado” — falou à secretária, que respondeu com sorriso. Minha avó diz que não entendeu a letra dos médicos, mas não perguntou a ele se tinha entendido o que ela falou. Talvez entendesse porque ele estudou, enquanto o resto, nem tanto.

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