14 junho 2025

PARQUE DE EXPOSIÇÃO

 



      Não conheço quem goste mais de Chitãozinho e Xororó do que minha mãe. Eu gosto, mas doida, assim, não sou não. No começo de junho, de todos os anos, eles cantam num show aqui perto. Dessa vez, eu estava mais ansiosa do que minha mãe, não por conta dos sertanejos, mas para ver a galera se atirando para fora de um avião. Meu pai diz que a altura é tão grande que o avião desce primeiro que os corajosos rapazes.
Muitos cantores e gente de circo tinham lá para se ver, mas como a atração principal só chegaria mais tarde, minha mãe não queria ir cedo. Mas eu queria. Às 14h os aviões começaram a subir e eu lá: olhos arregalados, sorriso rasgado, olhando para o alto com cara de boba. Não eram só rapazes, tinha moças também caindo do céu.
Como todo mundo, corri para cumprimentá-los, eu, com cara de boba, também fui atrás. Oh, gente fria, gente gelada — falei, pensando que ninguém me ouvia. — “É o vendo que nos deixa assim” — disse uma garota com um paraquedas enrolado nos braços. Falei com quase todos da turma dela. Poucos ultrapassavam a faixa dos 30 anos, mas, com mais de 50, vi dois ou três, sendo um deles o que mais me chamou a atenção. Era um blogueiro ativo, cujo nome não declaro para não dar moral. Lamentavelmente, ele viu o meu pai, com quem passou um bom tempo contando suas façanhas. Penso que não nos viu, pois corremos para a barraca de caldo de cana.  
— “Aquele amigo da Catiaho mandou lembranças para você.” — disse meu pai tão logo nos encontrou.
— “Ah, tá, obrigada” — empurrei o pastel todo na boca.
— “Que coisa horrível, filha!” — exclamou meu pai, me aconchegando em seus braços.
— “Olha, filha. Olha!” — disse mamãe, apontando para um ônibus muito bonito que se aproximava com os dois na janela acenando.
Estávamos todos, eu, minha mãe e meu pai, bastante felizes naquele dia.

12 junho 2025

DIA DOS NAMORADOS

 



      Meu bisavô era apaixonado por crianças. Fazia tudo para me agradar quando íamos ao sítio, onde moravam. Com ele, os passeios a cavalo ou na Veraneio da família eram inesquecíveis. Foram vários os que fizemos, só ele e eu. Uma vez, já voltando para casa, um menino com uma gaiola nos chamou a atenção. No interior, um pequeno pássaro saltava de um lado para o outro. — “Olha, vovô, que bonitinho!” — falei, pondo a cabeça para fora. Meu avô, sabendo que eu havia gostado, parou o carro e foi até o menino. — “Quanto você quer por esse passarinho?” — Perguntou pondo a mão na carteira. — “Desculpa, senhor, mas ele não é para vender” — respondeu, voltando os olhos para mim.
— “Olha aqui, garoto” — disse vovô com duas notas na mão. — “Acho que isso resolve o problema. Dê o passarinho para ela” — falou apontando para o meu lado.
— “É o que eu disse, senhor; esse passarinho não é para vender.”
De cara fechada, vovô tira outras notas e, com a testa quase encostada a dele, rosna baixinho: — “Acho que isso compra até bicicleta. Agora, passa a gaiola para ela” — falou, apontando a cabeça para mim.
O menino coçou o canto da boca, olhou o punhado de notas e falou: — “olha, senhor. Passei o dia inteirinho na mata para caçá-lo e só agora, após tantas horas, é que consegui. Por isso eu não vendo, desculpa, mas não vou vender.”
Meu avô, furioso, pegou mais uma nota, juntou-a às outras e enfiou no bolso do pobre menino. — “Acho que, mais do que isso, ninguém vai lhe dar. Agora dê a gaiola para ela!”. — Já ia voltando ao veículo quando o menino, segurando o dinheiro, falou: — “Mas eu não quero o dinheiro, do senhor e nem de ninguém. É como falei, o passarinho não está à venda. Se tivesse, eu o daria a vocês por muito menos que isso” — afirmou, devolvendo o dinheiro.
Vovô, com o dinheiro na mão, voltava sentar-se ao volante quando o menino, junto à janela, cochichou para mim: — “eu disse à mamãe que só voltava para casa após caçá-lo. Ela até duvidou. Vou mostrar que tenho palavra. Depois levo e te dou, mas não quero dinheiro em troca.” — concluiu com aquela carinha queimada de sol.
(Eu não tenho namorado porque se o tivesse, com certeza seria como àquele menino.)


06 junho 2025

IRMÃOS CARA DE PAU.

 



      Há algum tempo que não ia à igreja, mas, após muito esforço do meu pai, decidi acompanhá-lo e como nada tinha para pedir ou para agradecer, fiquei de boa, olhando as pessoas de olhos fechados, mãos postas sem dizer nada, pelo menos que se ouvisse. Atrás do padre, no alto, onde ficam as imagens, havia um bicho esquisito parecendo coruja. Mas como assim, um coruja na igreja? — me perguntei. Ela nem se mexia. Talvez seja de madeira ou… ela se mexeu! De fato, era uma coruja de verdade. — “É cega!” — o padre mexia os lábios, apontando para ela com os olhos fixados em mim.
Meu Deus, que coisa maluca!
 Logo que o sacerdote baixou o braço, um falcão atravessou o vitral. E onde o insano pousou? Ao lado da coruja, claro. Só posso estar sonhando — pensei. No bico do invasor, alguma coisa mexia. — “São larvas de minhocas” — disse o padre me olhando. — Larvas de minhoca? Perguntei movimentando os lábios. O padre levantou um dedo, assentindo. E a coruja lá, na dela. O falcão segurava as larvas com uma das garras e com a outra e o bico as cortava em pedaços e adivinha para onde as levava? Para o bico da coruja, ora bolas! O padre olhava para elas e olhava para mim. Já os fiéis… ah, os fiéis! Todos com a cabeça abaixada, joelhos e coluna dobradas e a boca calada. Só os lábios mexiam como os meus e os do padre, certamente para não desconcentrar quem veio agradecer.  Após a refeição o falcão deu no pé, vazou. Se meu pai não avisasse que a missa acabou, eu ainda estaria esperando o falcão trazer o almoço porque, dependendo do padre, comida ali não rola nem tão cedo. Pelo menos o vejo mexendo com a boca para falar, pois dentro dela, nada de bom que se possa engolir.

30 maio 2025

ÁFRICA EUROPEIA

 

Minha tia, viúva do irmão da minha mãe, casou-se há dois anos com um canadense que alguém apresentou a ela no Tinder. Ninguém da família conhece o rapaz, a não ser pelas imagens que ele publica. No réveillon, ela disse que tinha saudades e em breve viria nos visitar. Minha “tia” voltou a conversar sobre o assunto no carnaval, mas disse que o marido, devido ao trabalho, não viria com ela e, para não viajar sozinha, traria um rapaz. Mas, pelo que ficamos sabendo, esses dois eram íntimos demais para os nossos padrões sociais. Mesmo assim, avisei que ela viria nos visitar e traria o “marido”. Falei dessa maneira para evitar o discurso do meu pai que também desconhecia o homem com quem a mulher se casou.
No começo dessa semana, o casal se pronunciou. Tenho plena convicção de que, caso houvesse um buraco que me coubesse, eu desapareceria naquele exato momento. A besta da minha tia traz, um angolano mais parecido com minha mãe que o homem com quem ela disse ter se casado.
Eles falavam a linguagem que nós três compreendíamos, uma vez que mamãe e papai não falam outra língua.
Foi tão desolador que titia até fingiu estarem na casa de uns africanos com quem passariam alguns dias.
Minha tia sempre foi louca varrida. No entanto, convenhamos, não podia ter mencionado que o cara era negro? Assim, eu não mentiria sobre a honra que tem ou deixaria de ter.

24 maio 2025

VERMELHO

 



A lua sempre foi branca, mas vermelha como essa, nunca havia visto até a prima da minha mãe nos convidar para conhecer o sítio onde fora morar. À noite, ao longo da viagem, o céu parecia a Capela Sistina, com um céu repleto de estrelas e asteroides, o que despertava a minha curiosidade e a curiosidade dos ali, presentes naquele carro. Senti medo, é verdade. Sentia-me como se estivesse a dois passos de um precipício, e não somente eu, mas todos que estavam comigo, experimentavam tal sensação. Sem nos dar conta, descemos na estreita estrada de terra onde um riacho corria tranquilo, as águas avermelhadas pelo reflexo da lua. — “Não são pirilampos”!, gritou minha mãe. “São as estrelas piscando!” Falou sem tirar os olhos do céu. — “Coisa de louco!” — Disse meu pai.
De modo a não ser analisada, pensei em não contar, mas, ao abordar o tema, percebi que a beleza era tão grande que o riacho, além das águas, correndo tranquilamente, a paisagem silenciava. Então, disse minha mãe: — “Grilos, que grilos, se até sapos e pererecas alguém afirmou ter ouvido? A alteração da cor da lua seria consequência da submissão da natureza aos poderes do criador, só pode ser.” — Disse ela.

16 maio 2025

A MÃO DE DEUS

 



                    É doloroso perder um familiar, mas não posso afirmar isso, pois nunca tive uma experiência semelhante. No entanto, perder u'a mãe nas vésperas do seu dia é desesperador. Não sei o que ela ou você cometeu de errado para merecer tal punição, mas independentemente do que tenha sido, Deus os castigou com o peso da mão. Sinto por você, por sua irmã e por seu pai, e se choro ao expressar meus sentimentos, o faço devido à perda e ao sofrimento de todos vocês. Que a mãe do senhor possa acalmar essa dor que moi o coração dos que a conhecem. Sempre que eu abraçar minha mãe, vou lembrar de você. A cada beijo que ela me der, lembrarei daqueles que sua mão não te deu, não por vontade dela ou sua. Esse é o processo.
Que os céus concedam a você o perdão e o conforto, assim como sua mãe o fez ao colocá-lo em seus braços.
Um beijo.

ACHO QUE NÃO, FOI NÃO.

 


     Lembra quando eu disse que minha mãe acha que foi beijada pelo dentista durante uma consulta e quando falou lá em casa meu pai tirou sarro da cara dela, inclusive dizendo que ao invés de abrir a boca e fechar os olhos, por que não fez o contrário, fechou a boca e abriu o resto? A gente riu muito naquele dia. Quanto ao dentista, ele é gente de confiança e não seria a insanidade da minha mãe, como disse meu pai, que ele seria trocado. Estamos falando de quem exerce a odontologia por amor, já que, homens, com um terço de sua beleza, estão ganhando milhões posando para revistas ou fazendo novelas na Globo. Agora, se fosse verdade o que disse, duvido que nos teria contado, disse meu pai. Eu só voltei ao assunto porque ontem me vi obrigada a abrir a boca para ele. Não só abri com fechei os olhos, bem fechados.  Fiz tudo o que normalmente se faz sentado naquela cadeira, mas, infelizmente, ninguém me beijou. Não fui beijada, não fui tocada e muito menos tratada por tu, mas por senhora. É muito azar da minha parte, não é? Claro que eu fecharia a cara como se estivesse zangada e até lhe diria impropérios, mas ninguém se atreveu, pelo menos comigo, a não ser com mamãe (O que minha mãe tem que eu não tenho, gente?). Queria tanto ter metido a mão naquela cara bonita e brigado com ele, mas, não deu. Nem o espelho que ele botou na minha frente mostrando o sorriso bonito, como disse, eu olhei. Queria tanto ter ficado uma fera por ter me beijado, mas que nada. Quem deve virar onça é meu pai quando o boleto chegar.  Já estou preparando os ouvidos. “Puxa, Dr., nem um beijinho?”
(Baseado no meu texto “Acho que sim, foi sim”)

10 maio 2025

OBRIGADA MAMÃÊ.

 


              Nunca me vi te dizendo “obrigado” a ti. Na hora, dou sempre um sorriso e saio de boa. Mas este é um dia especial e, por isso, OBRIGADO.  Agradeço por desenhar os primeiros traços da minha existência. Agradeço a cada vez que me perdoaste sem que eu te pedisse perdão. Se não o fiz, é porque conheço o tamanho da tua grandeza. Agradeço os abraços que recebi nos momentos certos e imprevistos, quando nem me recordava de ti.  Agradeço a cada repreensão e às batalhas que sei que travaste para o meu crescimento. Obrigada pelas noites em que o teu colo foi o meu travesseiro e pelo bater do teu coração, a canção que me fez dormir. Obrigado pelo orgulho e pela fé que depositas nas coisas que faço. Certa vez, enquanto dormias, percebi um sorriso insistente em teu rosto. Tenho sonhos semelhantes, às vezes. Não como os teus, pois acordas para a realidade no dia seguinte, enquanto os meus… eu ainda não sei. Agradeço por torcer por mim. Dificilmente alguém consegue fazer isso por outra pessoa. Muito obrigada por não solicitar provas do meu amor por você. Obrigada por acreditar nos meus sentimentos. Agradeço pela compreensão e por tudo o que posso vir a me tornar no futuro. Obrigada por estar ao meu lado nos melhores momentos e nunca ter desistido nos piores.
Feliz dia das mães, minha mãe e, obrigada. Te amo.

05 maio 2025

HUMANAS ou EXATAS?

  


Aprendi desde cedo a respeitar os meus pais, os mais velhos e os professores. Fui orientada a não conversar com estranhos, mas com estranhas ninguém proibiu. Felizmente (ou seria infelizmente?) ninguém tentou nada sem que eu consentisse. Nunca me assediaram, zoaram ou mesmo fizeram bulling comigo e, pelo que os professores dizerm, o mérito não é só meu, mas também da minha família. Não me lembro de ter dado trabalho a eles quando criança e não seria hoje que eu lhes daria, por isso, meninas, até vou a casa de vocês, mas dormir, durmo não. E nem perguntar aos meus pais eu pergunto se já sei a resposta. Na véspera do encerramento das aulas, por exemplo, os professores deram uma festa. Os alunos tomavam refrigerantes enquanto os professores, às escondidas, tomavam cerveja. Dona Adelaide, a professora da única matéria que poderia me reprovar, ofereceu-me seu copo. -Pode beber que ninguém está olhando, falou. - Mas eu não bebo, professora. Mas não adiantou. A danada tirou o copo da boca e o colocou na minha. - Beba, você vai gostar. E eu bebi. A professora enchia o copo dela e o meu. Ela bebia, mas eu não. Jogava no vaso de planta que tinha ali perto. A cada golada, uma ria da outra. Batiam os copos no meu e dizendo tim tim, viram tudo de uma só vez. Quando a festa acabou me ofereceram carona, e como era ela, o carrasco das exatas, concordei, mas não foi para minha casa que quis me levar, mas para a sua. Você é doida, dirigindo após beber, eu pensei em falar, mas não falei. Não sou tão corajosa quanto pareço. Na casa, onde ela morava sozinha, D. Adelaide sentou ao meu lado e, sempre com uma desculpa, tocava seus dedos em mim. Até rolar um abraço, rolou. Depois um beijo no rosto e, quando tentei levantar ela me segurou. Pediu que a perdoasse, mas, ela precisava que eu ficasse mais um pouco com ela. O risco era imenso, não por conta do que ela ameaçava fazer, mas pelo que eu estava sentindo. Todos os pelos do meu corpo estavam alerta e na hora que tocou minhas coxas foi como se a luz apagasse. Não vi mais nada. Na primeira oportunidade eu fugi. Parei um táxi e nem olhar para trás eu olhei. Felizmente não precisei dos pontos que faltavam porque estudei. Estudei muito para na hora da prova não me estressar. Pedi ao meu pai para o ano seguinte ele me trocar de colégio, e ele atendeu.

25 abril 2025

EU e o PAPA

 



Eu tinha 5 anos quando o Papa veio ao Brasil. Tenho a impressão de que a Jornada Mundial da Juventude seria realizada em Guaratiba, mas, devido ao lamaçal que a chuva causou no local, o evento foi transferido para Copacabana, região próxima à nossa residência. Lembro de minha mãe e meu tio segurando minha mão quando o papamóvel, saindo do Forte de Copacabana, parou perto da gente. O Papa, não cumprindo com a determinação, abriu a janela e acenou para o povo emocionado que o aplaudia. Minha mãe diz que não havia ninguém parecido com gente naquele Fiat, mas com alma, tipo pai olhando seus filhos, havia uma de branco. Já meu tio enxergava mais longe. Diz que nos olhos daquele homem tinha um brilho, o mesmo quando meu avô olhava para ele e para minha mãe.  Meu pai também não me enxerga de outra forma e, quando se refere aos filhos dos outros, jamais questiona a sexualidade, o quanto os pais têm no banco ou a cor da pele de cada um.
Para o meu avô, como para o meu pai, filhos são obra do amor. Enquanto isso, eu, Rô, meio chorosa, reflito sobre o Papa Francisco, e sobre o meu tio, que já se foi faz tempo.
Sem ler o que falam a respeito, deixo aqui meu pitaco. Pena que a vida seja dividida em três atos: “nascer, dizer ao que viemos, e morrer”. Como eles.

21 abril 2025

OS OVOS QUE GANHAVA

 




   Todos têm acesso ao diário da Rô. Talvez um dos poucos sem senha, sem chave. Apenas minha mãe e meu pai não se arriscam, talvez por confiarem em mim. Dessa forma, é improvável que soubessem que mencionei os ovos maravilhosos que meu tio me dava quando ele e a mulher vinham para o almoço de páscoa em nossa residência. A data é para meditação, mas ninguém pensava nisso com titio por perto. Ele era a expressão da alegria em pessoa.
Meu pai levantou o cálice para um brinde, mas minha mãe, solicitando permissão, deixou a mesa e voltou abraçada a um ovo de páscoa grandão. Não
grande como se costuma dizer, mas GRANDE de verdade. Não fosse igual ao que titio me dava, eu diria, mas esse… era GRANDE. Abraçada chorei no seu ombro. Chorei pela surpresa, pela lembrança e, sobretudo, por nos lembrar de um homem que, a estas horas, estaria fazendo um discurso sem pé e sem cabeça e entre uma gargalhada e um riso, me dava o presente que mais gosto de ganhar nesses dias.
A páscoa com meu tio era especial, mas esta, particularmente, nunca vou esquecer. Agradeço imensamente à minha mãe pela surpresa. Obrigado, meu pai, por dar a ela o dinheiro e a bênção de decidir, e obrigado ao meu tio, esteja ele onde estiver.

PARQUE DE EXPOSIÇÃO