SÓ CHOVE, CHOVE, CHOVE...

 

     Acordei com um bando de ursos rugindo lá fora. Só que não tinha urso nenhum, apenas um temporal, um grande temporal, rosnava lá fora. Era muita chuva forçando a vidraça. Trovões rosnando, tais quais, ursos famintos e relâmpagos brincando com a escuridão. Parecia que o mundo ia acabar. Era água para ninguém botar defeito. Na hora eu quis me esconder, tapar os ouvidos, fechar os olhos de medo que aquilo me dava, mas depois não. Até coragem para abrir a janela, sentir o vento na minha pele eu tive. E a Abri. Abri para o vento molhar minha cara como molhou. Eram pingos de que hoje eu chamaria de amor. Pingos de amor. Aquilo me deu uma vontade danada de descer lá para baixo, de dançar como os indígenas dançam para o seu deus. E eu desci. Desci, abri os braços e dancei. Rodopiei com a cara na chuva de olho na escuridão do céu. Dancei, não como os índios, mas dancei. Dancei com água me subindo às pernas, molhando minha roupa, molhando meu corpo, lavando minha alma. Ah, se eu me visse naquele estado de embriaguez! Talvez nem soubesse o que eu conseguisse fazer. Quem sabe não ligasse para minha família ou fechasse a janela e voltasse a dormir? Ou ainda, quem sabe, também não descesse, não para puxar as orelhas de ninguém, mas, para ser meu próprio par e dançar, dançar e dançar comigo bem agarrada, enquanto a chuva chovesse tudo o que achasse que fosse preciso?