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sexta-feira, junho 28, 2024

CAMISA DE FORÇA

 


     Vi minha mãe rindo de coisas que não falei. Rindo do silêncio que ronda meu quarto e com quem converso sem dizer coisa nenhuma. Talvez julgasse a filha, que ela diz ter um pouco de sabedoria, e um pouco de louca, quem sabe. Estranhei porque não falo sozinha, então, porque ri se não faço tais coisas, quer dizer, não fazia, até descobrir que falar com as paredes de uma sala vazia e melhor que falar com quem não sabe o que responder. Hoje eu falo. Não com alguém conhecido, já que essa pessoa só existe na minha cabeça. Às vezes pergunto se, olhando pela janela, ela vê paredes ou consegue enxergar mais além? Responda, monossilabicamente, sugiro. — Você vê paredes ou consegue enxergar mais a frente? — Volto  perguntar. Basta responder a isso e também se está em casa, na sua casa, nesse momento? — E pergunto de novo: você está nessa casa, está sozinha? Responda dizendo sim ou dizendo não a cada pergunta, simplesmente isso, tipo: em casa, sozinha, enxerga além (caso estas sejam suas respostas). Então pedirei que vá à janela e olhe lá fora. Não precisa falar o que vê porque também não diria, caso eu estive em casa, sozinha, debruçada à janela que dá para além das paredes que só os olhos dessa garota não veem, assim como também não enxergam a pessoa que gostariam, mas não pode ser vista. Ora! Se responderia sem ninguém perguntar, não seria para expor a sanidade que me empertiga, mas, quem sabe, não justificasse o riso que lambe os lábios, pálidos, de minha mãe de pé junto a porta do meu quarto?
Além da janela, se alguém perguntasse, eu diria ver o passado veloz passando como um trem que some na curva, cruza com outro, para quem apita várias vezes, enquanto esse, de nome futuro, responde apitando da mesma maneira. Não sei quem apita e quem toca fogo nas duas caldeiras, mas sei que há passageiros nos vagões, em cada vagão. Só não sei quantos, e por que estão vindo, como não sei porque vão embora.

9 comentários:

Os olhares da Gracinha! disse...

... e assim se desenrola o nosso viver! 👏😘

She disse...

Ei, querida.
Que texto gostoso de ler, e o final poético foi lindo.
Beijinhos e ótimo final de semana.
She

Pequena con estilo disse...

Otimo post querida

OLga disse...

Buon fine settimana!

Katerinas Blog disse...

Amazing text Ro!
The train of life, how much
it passes quickly, the space, the time,
questions that concern us all!!
Thank you very much!!

PAULO TAMBURRO. disse...


RÔ,
estude seriamente a possibilidade de via a escrever um livro!!!
Poucas vezes me enganei ao identificar nesses meus muitos anos de blog a s verdadeiras possibilidades de algumas poucas pessoas para a literatura e uma dela é você.
Não perca tempo.
orgulho-me de ser seu seguidor e ter lido aqui a mais interessante postagem dos últimos tempos.
Parabéns mesmo!!!
AVISO : INTELIGÊNCIA VAGINAL SÓ ACEITA PÊNIS CIBERNÉTICO! Desculpe a letra de forma mas acabo de publicar no meu blog HUMOR EM TEXTO o crucial e paradoxal desencontro de finalidades que será entendido caso você me dê a honra de ler e comentar por lá!
Um abração carioca.

Tomás B disse...

Creo que la locura de juventud es algo que dicen se cura con la edad, así que como nos ha ocurrido a muchos creo que esa enfermedad ya se la curo a tu madre.
Yo desde una de las ventanas no veo el mar pero si la montaña que tengo a unos 40 kms de distancia en línea recta.

Saludos.

❦ Cléia Fialho ❦ disse...

Belíssimo
Passando para desejar um ótimo final de semana.
Beijos carinhosos.

Jotabê disse...

Já ouviu a música Encontros e Despedidas do Milton Nascimento? Sugiro ver e ouvir a Simone interpretando essa música. https://www.youtube.com/watch?v=Ms5RGj3MUcs

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