ASSÉDIO

 

Escrevendo história do jeito que escrevo dá impressão que eu não tenho problemas. Mas estão enganados. Ninguém, pelo menos que eu conheça, mora em uma caixa guardada no fundo da última gaveta de um móvel trancado a chave.  É claro que eu tenho problemas, sou vulnerável às dores, à saudade e aos desejos como todas vocês. Também luto para melhorar, como melhoram os que lutam por isso. Acontece que não quero falar de mim, pelo menos hoje, mas sobre as histórias que eu conto e olha que não é qualquer coisa que me faz escrever a não ser que essa coisa me toque profundamente. Vocês acham que eu não sou assediada por uns e às vezes por umas ou que os filhos daqueles que se acham acima do céu e da terra não tentam me imprensar nos elevadores ou tocar minhas partes como que por acidente e no maior descaramento me pedem desculpa? É claro que sim, pois, como eu disse, não difiro das outras meninas, de nenhuma de vocês, só que não gosto de tocar no assunto para não ficar repetindo o que todas vivem dizendo. Qual de vocês, meninas, não foi cantada com um simples elogio, uma oferta de emprego ou a promessa de fazer de você uma bela rainha? Qual de você precisou abraçar, quem sabe beijar um chantagista para não sofrer nas mãos dele? Não precisa dizer porque eu sei. Sei porque sofremos do mesmo mal, mas nada que o tempo não cure. Não adianta buscar pela porta de emergência porque de emergência, pelo menos para estes casos, não existe nenhuma. Quanto a cura, pelo tempo, também tem um preço. Nada é de graça. Quando esse tempo passar e as rugas nos tomar por inteiro, tipo, 80 anos, ninguém nos importunará mais. Ninguém perderá tempo olhando para nossas bundas quando a gente passar. Quanto às pernas e os peitos, fiquem tranquilas, meninas. Ninguém as notará na chegada ou na sua saída. Infelizmente é alto o preço, mas vamos pagar. Basta que os mais atrevidos não revidem ao levar com a bolsa na cara sempre que esbarrarem o cotovelo nos peitos da gente ou a mão boba tocar nossa bunda.