Na mudança de um bairro no subúrbio para este em que estamos morando algumas coisas se perderam pelo caminho, mas nada mais importante do que a minha boneca Lili. Outras vieram para me consolar, mas não era o mesmo. Coisa de criança, considerando os meus 5 anos. Lili é daquelas que te escuta de boca calada, que vai aonde você a queira levar, que brinca da maneira que você gosta e faz tudo o que você quer tipo assim, desse jeito. Uma não cobrava ou reclamava da outra. Com o tempo fui perdendo o sorriso e até dormir que gosto tanto já não estava dormindo. Um dia meu pai me chamou: — senta aqui com o papai — bateu com a mão no sofá ao lado dele. — Papai recebeu uma carta endereçada a você. — Fiquei curiosa até porque quem escreveria carta para uma criança?
— Quem mandou ela, papai? — Foi o Kafka, minha filha — respondeu desamassando o papel sobre a perna. — Esse moço é o maior escritor que já conheci — disse olhando para mim. — E o que ele fala na carta? — Bem, minha filha, é o seguinte. Alguém teria visto uma boneca com a cara e a roupa bem suja, brincando numa rua perto da casa onde a gente morou. Era a primeira vez que ele via boneca brincando sem sua dona. Intrigado abaixou-se e perguntou pelo nome dela e quando ela disse foi que decidiu escrever para você. Olha, minha filha, esqueci de dizer que esse escritor de nome Kafka entende muito do assunto e o seu caso não é o primeiro. Outro bem parecido, já teria ocorrido, pelo que li em um dos livros que ele escreveu.
— Minha mãe diz que meu pai tinha esse poder e a luz que brilhava dos meus olhos clareava a sala por inteiro — diz ela sorrindo. Na esperança do homem resolver o problema eu voltei a sorrir e até me tornei um pouco mais doce naqueles momentos e se me perguntarem porque estou contando essas coisas, respondo; é que encontrei a carta que meu pai leu há 12 anos para mim. Era uma folha de caderno escrita a lápis, cuja letra se parecia com a dele abordando um assunto que li ontem no livro desse tal escritor.
— Minha mãe diz que meu pai tinha esse poder e a luz que brilhava dos meus olhos clareava a sala por inteiro — diz ela sorrindo. Na esperança do homem resolver o problema eu voltei a sorrir e até me tornei um pouco mais doce naqueles momentos e se me perguntarem porque estou contando essas coisas, respondo; é que encontrei a carta que meu pai leu há 12 anos para mim. Era uma folha de caderno escrita a lápis, cuja letra se parecia com a dele abordando um assunto que li ontem no livro desse tal escritor.
Corri e me joguei nos braços do melhor pai de todo o mundo inteiro e que, por sinal, é o meu.
5 comentários:
A unique and inspiring piece of writing!
I liked it.
Este texto me fez lembrar de um divertido filme francês onde uma moça tira um gnomo do jardim da casa de seu deprimido pai e passa a fazer montagens da pequena estátua com imagens de várias cidades pelo mundo, montagens que transforma em cartões postais que deixa na caixa de correio da casa de onde o gnomo foi surrupiado. No final do filme ela o recoloca em seu lugar original. E seu pai resolve viajar pelo mundo. Caso se interesse em assistir a esse filme, o nome em português é “O fabuloso destino de Amelie Poulain”. Eu assisti em um canal a cabo.
Que relato mais doce e cheio de encanto! O gesto do pai, transformando a ausência em magia e a perda em um reencontro imaginário, é de uma ternura comovente. Cada palavra resgata a beleza da infância, onde as soluções para as maiores tristezas surgem do amor criativo de quem nos protege.
A conexão com Kafka é um detalhe poético que enriquece ainda mais essa memória. O pai, ao dar vida à narrativa, mostrou que mesmo na simplicidade de uma folha de caderno escrita a lápis, há espaço para construir mundos e devolver o brilho aos olhos de uma criança.
Essa história é mais do que uma lembrança; é uma celebração do amor incondicional, da capacidade de um pai em iluminar os dias de sua filha e transformar a saudade em ternura. Amei cada linha, como se pudesse ouvir a risada feliz ao final desse abraço, onde o tempo pareceu parar. 🖋️❤️
AFAGOS POÉTICOS EM SEU 💗
🐾
Ei Rô,
Você com essa sua
publicação me lembra
os bons livros que li do Kafka.
Eu gosto de leituras que nos
levam a entrar na mente dos
personagens. O Jotabê
citou um filme que assisti e
que me fez ver muitas nuances
da suposta realidade que vivemos,
mas ao vivenciar que é diferente
de vive-la, abre a cortina do perceber.
Não sei se você vai gostar do filme,
pois é como ler Clarice: uma verdadeira
viagem na mente. Sendo assim, costumam
taxar de loucura, mas não é.
É sim surrealidade, ou seja uma realidade
em super dose/overdose.
Adorei sua publicação e a
bonequinha também.
Bjins
CatiahoAlc.
Bella storia!Buon Natale e Capodanno.
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