PORQUE É NATAL.

 

Eu não queria contar para não pensarem que eu estou me achando, mas como é natal, eu conto assim mesmo.

"Em junho, meus pais me levaram para Nova Friburgo, uma cidade localizada no alto da serra do Rio, onde o clima frio, especialmente durante o inverno, não deve nada ao Alasca. Eu me senti na Antártida, tal era o frio daquele lugar. Meus pais, todos encapotados, sugeriram um chocolate quente em uma padaria grande e bonita, que, pelo que ficamos sabendo, era a única naquele lugar. Um lugar onde se paga antes e se consome depois. Na fila, atrás da gente, um movimento nos chamou a atenção. Dois mendigos, um com o dinheiro na mão, esperavam a vez de serem atendidos. Ninguém concordava com eles ali. Ao chegar ao caixa, a atendente, muito zangada, perguntou o que eles queriam. — Dois cafés, por favor. Disse o mais jovem olhando para o colega que não parava de gesticular. — Só o café que vocês querem, completou a Caixa. — Sim, senhora, só o café. Aqui é o único lugar que temos para nos aquecer desse frio, mas como ninguém entra sem consumir, a gente vai tomar um café. Quando ouvi aquilo o meu coração doeu. Doeu muito. Dois infelizes rejeitados pela sorte e pelos que pregam contra a discriminação. Peguei uma nota de 50,00 que o meu pai ainda tinha nas mãos e corri para o caixa: — por favor, eu quero mais dois chocolates quentes, dos grandes, e quatro mistos quentes. Dois para comer agora e dois para a viagem. — Tirei os “mendigos” da fila e os levei para a mesa da gente. O mais velho, a pessoa com deficiência, gesticulava sem parar, enquanto o outro, o dos olhos azuis, não parava de agradecer. Quando saímos, os fregueses, os que estavam perto da gente, nos olhavam de cara feia. Só naquele momento percebi o sorriso na cara da minha mãe. Ela olhou para mim, mordeu o lábio e me deu um abraço. Um abraçou muito apertado. Não falou nada, comigo em seus braços. Mas não precisava se o ombro da minha blusa estava todo molhado. Molhado das lágrimas que ela chorou. Não sei por que, porque não perguntei".

Agora, sim, com certeza, terei um feliz natal. E que vocês o tenham também. Igual aos que os moços, aqueles dois de Friburgo, eu estimo que tenham.